QUESTÃO 1009 - O LIVRO DOS ESPÍRITOS
Nota da Editora de O Livro dos Espíritos:
CAPÍTULO II DAS PENAS E GOZOS FUTUROS
Duração das penas futuras
1009. Assim, as penas impostas jamais o são por toda a eternidade?
“Interrogai o vosso bom-senso, a vossa razão e perguntai-lhes se uma
condenação perpétua, motivada por alguns momentos de erro, não seria a
negação da bondade de Deus. Que é, com efeito, a duração da vida, ainda
quando de cem anos, em face da eternidade? Eternidade! Compreendeis bem
esta palavra? Sofrimentos, torturas sem-fim, sem esperanças, por causa de
algumas faltas! O vosso juízo não repele semelhante “Aplicai-vos, por todos os meios ao vosso alcance, em combater, em aniquilar a idéia da eternidade das penas, idéia blasfematória da justiça e da bondade de Deus, gérmen fecundo da incredulidade, do materialismo e da indiferença que invadiram as massas humanas, desde que as inteligências começaram a desenvolver-se. O Espírito, prestes a esclarecer-se, ou mesmo apenas desbastado, logo lhe apreendeu a monstruosa injustiça. Sua razão a repele e, então, raro é que não englobe no mesmo repúdio a pena que o revolta e o Deus a quem a atribui. Daí os males sem conta que hão desabado sobre vós e aos quais vimos trazer remédio. Tanto mais fácil será a tarefa que vos apontamos, quanto é certo que todas as autoridades em quem se apóiam os defensores de tal crença evitaram todas pronunciar-se formalmente a respeito. Nem os concílios, nem os Pais da Igreja resolveram essa grave questão. Muito embora, segundo os Evangelistas e tomadas ao pé da letra as palavras emblemáticas do Cristo, ele tenha ameaçado os culpados com um fogo que se não extingue, com um fogo eterno, absolutamente nada se encontra nas suas palavras capaz de provar que os haja condenado eternamente. “Pobres ovelhas desgarradas, aprendei a ver aproximar-se de vós o bom Pastor, que, longe de vos banir para todo o sempre de sua presença, vem pessoalmente ao vosso encontro, para vos reconduzir ao aprisco. Filhos pródigos, deixai o vosso voluntário exílio; encaminhai vossos passos para a morada paterna. O Pai vos estende os braços e está sempre pronto a festejar o vosso regresso ao seio da família.” LAMENNAIS. “Guerras de palavras! Guerras de palavras! Ainda não basta o sangue que tendes feito correr! Será ainda preciso que se reacendam as fogueiras? Discutem sobre palavras: eternidade das penas, eternidade dos castigos. Ignorais então que o que hoje entendeis por eternidade não é o que os antigos entendiam e designavam por esse termo? Consulte o teólogo as fontes e lá descobrirá, como todos vós, que o texto hebreu não atribuía esta significação ao vocábulo que os gregos, os latinos e os modernos traduziram por penas sem fim, irremissíveis. Eternidade dos castigos corresponde à eternidade do mal. Sim, enquanto existir o mal entre os homens, os castigos subsistirão. Importa que os textos sagrados se interpretem no sentido relativo. A eternidade das penas é, pois, relativa e não absoluta. Chegue o dia em que todos os homens, pelo arrependimento, se revistam da túnica da inocência e desde esse dia deixará de haver gemidos e ranger de dentes. Limitada tendes, é certo, a vossa razão humana, porém, tal como a tendes, ela é uma dádiva de Deus e, com auxílio dessa razão, nenhum homem de boa-fé haverá que de outra forma compreenda a eternidade dos castigos. Pois que! Fora necessário admitir-se por eterno o mal. Somente Deus é eterno e não poderia ter criado o mal eterno; do contrário, forçoso seria tirar-se-Lhe o mais magnífico dos Seus atributos: o soberano poder, porquanto não é soberanamente poderoso aquele que cria um elemento destruidor de suas obras. Humanidade! Humanidade! Não mergulhes mais os teus tristes olhares nas profundezas da Terra, procurando aí os castigos. Chora, espera, expia e refugia-te na idéia de um Deus intrinsecamente bom, absolutamente poderoso, essencialmente justo.” PLATÃO. “Gravitar para a unidade divina, eis o fim da Humanidade. Para atingi-lo, três coisas são necessárias: a Justiça, o Amor e a Ciência. Três coisas lhe são opostas e contrárias: a ignorância, o ódio e a injustiça. Pois bem! Digo-vos, em verdade, que mentis a estes princípios fundamentais, comprometendo a idéia de Deus, com o Lhe exagerardes a severidade. Duplamente a comprometeis, deixando que no Espírito da criatura penetre a suposição de que há nela mais clemência, mais virtude, amor e verdadeira justiça, do que atribuis ao Ser infinito. Destruís mesmo a idéia do inferno, tornando-o ridículo e inadmissível às vossas crenças, como o é aos vossos corações o horrendo espetáculo das execuções, das fogueiras e das torturas da Idade Média! Pois que! Quando banida se acha para sempre das legislações humanas a era das cegas represálias, é que esperais mantê-la no ideal? Oh! Crede-me, crede-me, irmãos em Deus e em Jesus-Cristo, crede-me: ou vos resignais a deixar que pereçam nas vossas mãos todos os vossos dogmas, de preferência a que se modifiquem, ou, então, vivificai-os, abrindo-os aos benfazejos eflúvios que os Bons, neste momento, derramam neles. A idéia do inferno, com as suas fornalhas ardentes, com as suas caldeiras a ferver, pôde ser tolerada, isto é, perdoável num século de ferro; porém, no século dezenove, não passa de vão fantasma, próprio, quando muito, para amedrontar criancinhas e em que estas, crescendo um pouco, logo deixam de crer. Se persistirdes nessa mitologia aterradora, engendrareis a incredulidade, mãe de toda a desorganização social. Tremo, entrevendo toda uma ordem social abalada e a ruir sobre os seus fundamentos, por falta de sanção penal. Homens de fé ardente e viva, vanguardeiros do dia da luz, mãos à obra, não para manter fábulas que envelheceram e se desacreditaram, mas para reavivar, revivificar a verdadeira sanção penal, sob formas condizentes com os vossos costumes, os vossos sentimentos e as luzes da vossa época. “Quem é, com efeito, o culpado? É aquele que, por um desvio, por um falso movimento da alma, se afasta do objetivo da criação, que consiste no culto harmonioso do belo, do bem, idealizados pelo arquétipo humano, pelo Homem-Deus, por Jesus-Cristo.
“Que é o castigo? A conseqüência natural, derivada desse falso
movimento; uma certa soma de dores necessária a desgostá-lo da sua
deformidade, pela experimentação do sofrimento. O castigo é o aguilhão que
estimula a alma, pela amargura, a se dobrar sobre si mesma e a buscar o
porto de salvação. O castigo só tem por fim a reabilitação, a redenção.
Querê-lo eterno, por uma falta não eterna, é negar-lhe toda a razão de
ser.
A.K.: Com o atrativo de recompensas e temor de castigos, procura-se
estimular o homem para o bem e desviá-lo do mal. Se esses castigos, porém,
lhe são apresentados de forma que a sua razão se recuse a admiti-los,
nenhuma influência terão sobre ele. Longe disso, rejeitará tudo: a forma e
o fundo. Se, ao contrário, lhe apresentarem o futuro de maneira lógica,
ele não o repelirá. O Espiritismo lhe dá essa explicação. A doutrina da
eternidade das penas, em sentido absoluto, faz do Ente Supremo um Deus
implacável. Seria lógico dizer-se, de um soberano, que é muito bom, muito
magnânimo, muito indulgente, que só quer a felicidade dos que o cercam,
mas que ao mesmo tempo é cioso, vingativo, de inflexível rigor e que pune
com o castigo extremo as três quartas partes dos seus súditos, por uma
ofensa, ou uma infração de suas leis, mesmo quando praticada pelos que não
as conheciam? Não haveria aí contradição? Ora, pode Deus ser menos bom do
que o seria um homem? Outra contradição. Pois que Deus tudo sabe, sabia,
ao criar uma alma, se esta viria a falir ou não. Ela, pois, desde a sua
formação, foi destinada à desgraça eterna. Será isto possível, racional?
Com a doutrina das penas relativas, tudo se justifica. Deus sabia, sem
dúvida, que ela faliria, mas lhe deu meios de se instruir pela sua própria
experiência, mediante suas próprias faltas. É necessário, que expie seus
erros, para melhor se firmar no bem, mas a porta da esperança não se lhe
fecha para sempre e Deus faz que, dos esforços que ela empregue para o
conseguir, dependa a sua redenção. Isto toda gente pode compreender e a
mais meticulosa lógica pode admitir. Menos cépticos haveria, se deste
ponto de vista fossem apresentadas as penas futuras. Na linguagem vulgar,
a palavra eterno é muitas vezes empregada figuradamente, para designar uma
coisa de longa duração, cujo termo não se prevê, embora se saiba muito bem
que esse termo existe. Dizemos, por exemplo, os gelos eternos das altas
montanhas, dos pólos, embora saibamos, Não esqueçamos, principalmente, que, não lhes permitindo a sua inferioridade divisar o ponto extremo do caminho, crêem que terão de sofrer sempre, o que lhes é uma punição. Demais, a doutrina do fogo material, das fornalhas e das torturas, tomadas ao Tártaro do paganismo, está hoje completamente abandonada pela alta teologia e só nas escolas esses aterradores quadros alegóricos ainda são apresentados como verdades positivas, por alguns homens mais zelosos do que instruídos, que assim cometem grave erro, porquanto as imaginações juvenis, libertando-se dos terrores, poderão ir aumentar o número dos incrédulos. A Teologia reconhece hoje que a palavra fogo é usada figuradamente e que se deve entender como significando fogo moral (974). Os que têm acompanhado, como nós, as peripécias da vida e dos sofrimentos de além-túmulo, através das comunicações espíritas, hão podido convencer-se de que, por nada terem de material, eles não são menos pungentes. Mesmo relativamente à duração, alguns teólogos começam a admiti-la no sentido restritivo acima indicado e pensam que, com efeito, a palavra eterno se pode referir às penas em si mesmas, como conseqüência de uma lei imutável, e não à sua aplicação a cada indivíduo. No dia em que a Religião admitir esta interpretação, assim como algumas outras também decorrentes do progresso das luzes, muitas ovelhas desgarradas reunirá.
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COMENTÁRIO DO ESPÍRITO MIRAMEZ NA OBRA “FILOSOFIA ESPÍRITA”
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