613. Embora de todo
errônea, a idéia ligada à metempsicose não terá resultado do sentimento intuitivo que
o homem possui de suas diferentes existências?
“Nessa, como em muitas
outras crenças, se depara esse sentimento intuitivo. O homem, porém, o desnaturou,
como costuma fazer com a maioria de suas idéias intuitivas.”
Seria verdadeira a
metempsicose, se indicasse a progressão da alma, passando de um estado a outro superior,
onde adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a natureza. É, porém, falsa no
sentido de transmigração direta da alma do animal para o homem e reciprocamente, o
que implicaria a idéia de uma retrogradação, ou de fusão. Ora, o fato de não poder
semelhante fusão operar-se, entre os seres corporais das duas espécies, mostra que estas são de
graus inassimiláveis, devendo dar-se o mesmo com relação aos Espíritos que as animam. Se
um mesmo Espírito as pudesse animar alternativamente, haveria, como conseqüência,
uma identidade de natureza, traduzindo-se pela possibilidade da reprodução material.
A reencarnação, como os
Espíritos a ensinam, se funda, ao contrário, na marcha ascendente da Natureza e na
progressão do homem, dentro da sua própria espécie, o que em nada lhe diminui a
dignidade. O que o rebaixa é o mau uso que ele faz das faculdades que Deus lhe outorgou para que
progrida. Seja como for, a ancianidade e a universalidade da doutrina da metempsicose e,
bem assim, a circunstância de a terem professado homens eminentes provam que o
princípio da reencarnação se radica na própria Natureza.
Antes, pois, constituem
argumentos a seu favor, que contrários a esse princípio. O ponto inicial do Espírito
é uma dessas questões que se prendem à origem das coisas e de que Deus guarda
o segredo. Dado não é ao homem conhecê-las de modo absoluto, nada mais lhe
sendo possível a tal respeito do que fazer suposições, criar sistemas mais ou menos prováveis. Os
próprios Espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem
ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas. É assim, por exemplo, que
nem todos pensam da mesma forma quanto às relações existentes entre o homem e
os animais. Segundo uns, o Espírito não chega ao período humano senão depois de se
haver elaborado e individualizado nos diversos graus dos seres inferiores da Criação.
Segundo outros, o Espírito do homem teria pertencido sempre à raça humana, sem passar pela
fieira animal. O primeiro desses sistemas apresenta a vantagem de assinar um alvo ao futuro
dos animais, que formariam então os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo é
mais conforme à dignidade do homem e pode resumir-se da maneira seguinte:
As diferentes espécies de
animais não procedem intelectualmente umas das outras, mediante progressão. Assim,
o espírito da ostra não se torna sucessivamente o do peixe, do pássaro, do quadrúpede e do
quadrúmano. Cada espécie constitui, física e moralmente, um tipo absoluto, cada
um de cujos indivíduos haure na fonte universal a quantidade do princípio inteligente que
lhe seja necessário, de acordo com a perfeição de seus órgãos e com o trabalho que tenha de
executar nos fenômenos da Natureza, quantidade que ele, por sua morte, restitui ao
reservatório donde a tirou. Os dos mundos mais adiantados que o nosso (ver n° 188)
constituem igualmente raças distintas, apropriadas às necessidades desses mundos e ao grau de
adiantamento dos homens, cujos auxiliares eles são, mas de modo nenhum procedem das da
Terra, espiritualmente falando. Outro tanto não se dá com o homem. Do ponto de vista
físico, este forma evidentemente um elo da cadeia dos seres vivos: porém, do ponto de
vista moral, há, entre o animal e o homem, solução de continuidade. O homem
possui, como propriedade sua, a alma ou Espírito, centelha divina que lhe confere o senso
moral e um alcance intelectual de que carecem os animais e que é nele o ser principal, que
preexiste e sobrevive ao corpo, conservando sua
individualidade. Qual a origem do Espírito? Onde o seu ponto inicial? Forma-se do
princípio inteligente individualizado? Tudo isso são mistérios que fora inútil querer devassar e
sobre os quais, como dissemos, nada mais se pode fazer do que construir sistemas. O que é
constante, o que ressalta do raciocínio e da experiência é a sobrevivência do Espírito, a
conservação de sua individualidade após a morte, a progressividade de suas
faculdades, seu estado feliz ou desgraçado de acordo com o seu adiantamento na senda do bem
e todas as verdades morais decorrentes deste princípio.
Quanto às relações
misteriosas que existem entre o homem e os animais, isso, repetimos, está nos segredos
de Deus, como muitas outras coisas, cujo conhecimento atual nada importa ao nosso
progresso e sobre as quais seria inútil determo-nos.
PARTE TERCEIRA
Das leis morais
CAPÍTULO I
DA LEI DIVINA OU NATURAL
1. Caracteres da lei
natural. - 2. Origem e conhecimento da lei natural. - 3. O bem e o mal - 4. Divisão da lei
natural.
Caracteres da lei natural
614. Que se deve entender
por lei natural?
“A lei natural é a lei de
Deus. É a única verdadeira para a felicidade do homem. Indica-lhe o que deve fazer
ou deixar de fazer e ele só é infeliz quando dela se afasta.”
615. É eterna a lei de
Deus?
“Eterna e imutável como o
próprio Deus.”
616. Será possível que
Deus em certa época haja prescrito aos homens o que noutra época lhes proibiu?
“Deus não se engana. Os
homens é que são obrigados a modificar suas leis, por imperfeitas. As de Deus,
essas são perfeitas. A harmonia que reina no universo material, como no universo moral, se
funda em leis estabelecidas por Deus desde toda a eternidade.”
617. As leis divinas, que
é o que compreendem no seu âmbito? Concernem a alguma outra coisa, que
não somente ao procedimento moral?
“Todas as da Natureza são
leis divinas, pois que Deus é o autor de tudo. O sábio estuda as leis da matéria, o
homem de bem estuda e pratica as da alma.”
a) - Dado é ao homem
aprofundar umas e outras?
“É, mas em uma única
existência não lhe basta para isso.”
Efetivamente, que são alguns
anos para a aquisição de tudo o de que precisa o ser, a fim de se considerar
perfeito, embora apenas se tenha em conta a distância que vai do selvagem ao homem
civilizado? Insuficiente seria, para tanto, a existência mais longa que se possa imaginar. Ainda com
mais forte razão o será quando curta, como é para a maior parte dos homens.
Entre as leis divinas, umas
regulam o movimento e as relações da matéria bruta: as leis físicas, cujo estudo
pertence ao domínio da Ciência.
As outras dizem respeito
especialmente ao homem considerado em si mesmo e nas suas relações com Deus e com
seus semelhantes. Contém as regras da vida do corpo, bem como as da vida da alma: são
as leis morais.
618. São as mesmas, para
todos os mundos, as leis divinas?
“A razão está a dizer que
devem ser apropriadas à natureza de cada mundo e adequadas ao grau de
progresso dos seres que os habitam.”
Conhecimento da lei
natural
619. A todos os homens
facultou Deus os meios de conhecerem Sua lei?
“Todos podem conhecê-la, mas
nem todos a compreendem. Os homens de bem e os que se decidem a
investigá-la são os que melhor a compreendem. Todos, entretanto, a compreenderão um dia,
porquanto forçoso é que o progresso se efetue.”
A justiça das diversas
encarnações do homem é uma conseqüência deste princípio, pois que, em cada nova
existência, sua inteligência se acha mais desenvolvida e ele compreende melhor o que é
bem e o que é mal. Se numa só existência tudo lhe devesse ficar ultimado, qual seria a
sorte de tantos milhões de seres que morrem todos os dias no embrutecimento da
selvageria, ou nas trevas da ignorância, sem que deles tenha dependido o se instruírem? (171-222)
620. Antes de se unir ao
corpo, a alma compreende melhor a lei de Deus do que depois de encarnada?
“Compreende-a de acordo com
o grau de perfeição que tenha atingido e dela guarda a intuição quando unida ao
corpo. Os maus instintos, porém, fazem ordinariamente que o homem a esqueça.”
621. Onde está escrita a
lei de Deus?
“Na consciência.”
a) - Visto que o homem
traz em sua consciência a lei de Deus, que necessidade havia de lhe ser ela
revelada?
“Ele a esquecera e
desprezara. Quis então Deus lhe fosse lembrada.”
622. Confiou Deus a
certos homens a missão de revelarem a Sua lei?
“Indubitavelmente. Em todos
os tempos houve homens que tiveram essa missão. São Espíritos superiores,
que encarnam com o fim de fazer progredir a Humanidade.”
623. Os que hão
pretendido instruir os homens na lei de Deus não se têm enganado algumas vezes, fazendo-os
transviar-se por meio de falsos princípios?
“Certamente hão dado causa a
que os homens se transviassem aqueles que não eram inspirados por Deus e que,
por ambição, tomaram sobre si um encargo que lhes não fora cometido. Todavia, como
eram, afinal, homens de gênios, mesmo entre os erros que ensinaram, grandes verdades
muitas vezes se encontram.”
624. Qual o caráter do
verdadeiro profeta?
“O verdadeiro profeta é um
homem de bem, inspirado por Deus. Podeis reconhecê-lo pelas suas palavras e pelos
seus atos. Impossível é que Deus se sirva da boca do mentiroso para ensinar a
verdade.”
625. Qual o tipo mais
perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?
“Jesus.”
Para o homem, Jesus
constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo
oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da
lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o
Espírito Divino o animava.
Quanto aos que, pretendendo
instruir o homem na lei de Deus, o têm transviado, ensinando-lhes falsos
princípios, isso aconteceu por haverem deixado que os dominassem sentimentos demasiado
terrenos e por terem confundido as leis que regulam as condições da vida da alma, com as que
regem a vida do corpo. Muitos hão apresentado como leis divinas simples leis humanas
estatuídas para servir às paixões e dominar os homens.
626. Só por Jesus foram
reveladas as leis divinas e naturais? Antes do seu aparecimento, o
conhecimento dessas leis só por intuição os homens o tiveram?
“Já não dissemos que elas
estão escritas por toda parte? Desde os séculos mais longínquos, todos os que
meditaram sobre a sabedoria hão podido compreendê-las e ensiná-las. Pelos ensinos, mesmo
incompletos, que espalharam, prepararam o terreno para receber a semente. Estando as leis
divinas escritas no livro da Natureza, possível foi ao homem conhecê-las, logo que as
quis procurar. Por isso é que os preceitos que consagram foram, desde todos os tempos,
proclamados pelos homens de bem; e também por isso é que elementos delas se
encontram, se bem que incompletos ou adulterados pela ignorância, na doutrina moral de todos os
povos saídos da barbárie.”
627. Uma vez que Jesus
ensinou as verdadeiras leis de Deus, qual a utilidade do ensino que os Espíritos
dão? Terão que nos ensinar mais alguma coisa?
“Jesus empregava amiúde, na
sua linguagem, alegorias e parábolas, porque falava de conformidade com os tempos e
os lugares. Faz-se mister agora que a verdade se torne inteligível para todo mundo.
Muito necessário é que aquelas leis sejam explicadas e desenvolvidas, tão poucos
são os que as compreendem e ainda menos os que as praticam. A nossa missão consiste em
abrir os olhos e os ouvidos a todos, confundindo os orgulhosos e desmascarando os hipócritas:
os que vestem a capa da virtude e da religião, a fim de ocultarem suas torpezas. O
ensino dos Espíritos tem que ser claro e sem equívocos, para que ninguém possa pretextar
ignorância e para que todos o possam julgar e apreciar com a razão. Estamos incumbidos de
preparar o reino do bem que Jesus anunciou. Daí a necessidade de que a ninguém
seja possível interpretar a lei de Deus ao sabor de suas paixões, nem falsear o
sentido de uma lei toda de amor e de caridade.”
628. Por que a verdade
não foi sempre posta ao alcance de toda gente?
“Importa que cada coisa
venha a seu tempo. A verdade é como a luz: o homem precisa habituar-se a ela,
pouco a pouco; do contrário, fica deslumbrado.
“Jamais permitiu Deus que o
homem recebesse comunicações tão completas e instrutivas como as que hoje
lhe são dadas. Havia, como sabeis, na antigüidade alguns indivíduos possuidores do
que eles próprios consideravam uma ciência sagrada e da qual faziam mistério para os que,
aos seus olhos, eram tidos por profanos. Pelo que conheceis das leis que regem estes
fenômenos, deveis compreender que esses indivíduos apenas recebiam algumas verdades
esparsas, dentro de um conjunto equívoco e, na maioria dos casos, emblemático.
Entretanto, para o estudioso, não há nenhum sistema antigo de filosofia, nenhuma tradição,
nenhuma religião, que seja desprezível, pois em tudo há germens de grandes verdades
que, se bem pareçam contraditórias
entre si, dispersas que se acham em meio de acessórios sem fundamento, facilmente
coordenáveis se vos apresentam, graças à explicação que o Espiritismo dá de uma
imensidade de coisas que até agora se vos afiguraram sem razão alguma e cuja realidade está
hoje irrecusavelmente demonstrada. Não desprezeis, portanto, os objetos de estudo que
esses materiais oferecem. Ricos eles são de tais objetos e podem contribuir grandemente para
vossa instrução.”
O bem e o mal
629. Que definição se
pode dar da moral?
“A moral é a regra de bem
proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus.
O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de
Deus.”
630. Como se pode
distinguir o bem do mal?
“O bem é tudo o que é
conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é
proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”
631. Tem meios o homem de
distinguir por si mesmo o que é bem do que é mal?
“Sim, quando crê em Deus e o
quer saber. Deus lhe deu inteligência para distinguir um do outro.”
632. Estando sujeito ao
erro, não pode o homem enganar-se na apreciação do bem e do mal e crer que
pratica o bem quando em realidade pratica o mal?
“Jesus disse: vede o que
queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos
enganareis.”
633. A regra do bem e do
mal, que se poderia chamar de reciprocidade ou de solidariedade, é
inaplicável ao proceder pessoal do homem
para consigo mesmo. Achará ele, na lei natural, a regra desse proceder e um guia
seguro?
“Quando comeis em excesso,
verificais que isso vos faz mal. Pois bem, é Deus quem vos dá a medida daquilo
de que necessitais. Quando excedeis dessa medida, sois punidos. Em tudo é assim. A
lei natural traça para o homem o limite das suas necessidades. Se ele ultrapassa esse
limite, é punido pelo sofrimento. Se atendesse sempre à voz que lhe diz - basta, evitaria
a maior parte dos males, cuja culpa lança à Natureza.”
634. Por que está o mal
na natureza das coisas? Falo do mal moral. Não podia Deus ter criado a
Humanidade em melhores condições?
“Já te dissemos: os
Espíritos foram criados simples e ignorantes (115). Deus deixa que o homem escolha o
caminho. Tanto pior para ele, se toma o caminho mau: mais longa será sua peregrinação. Se
não existissem montanhas, não compreenderia o homem que se pode subir e descer; se não
existissem rochas, não compreenderia que há corpos duros. É preciso que o Espírito ganhe
experiência; é preciso, portanto, que conheça o bem e o mau. Eis por que se une ao
corpo.” (119)
635. Das diferentes
posições sociais nascem necessidades que não são idênticas para todos os homens. Não
parece poder inferir-se daí que a lei natural não constitui regra uniforme?
“Essas diferentes posições
são da natureza das coisas e conformes à lei do progresso. Isso não infirma
a unidade da lei natural, que se aplica a tudo.”
As condições de existência
do homem mudam de acordo com os tempos e os lugares, do que lhe resultam
necessidades diferentes e posições sociais apropriadas a essas necessidades. Pois que está
na ordem das coisas, tal diversidade é conforme à lei de Deus, lei que não deixa de ser una
quanto ao seu princípio. À razão cabe distinguir as necessidades reais das
factícias ou convencionais.
636. São absolutos, para
todos os homens, o bem e o mal?
“A lei de Deus é a mesma
para todos; porém, o mal depende principalmente da vontade que se tenha de o
praticar. O bem é sempre o bem e o mal sempre o mal, qualquer que seja a posição do homem.
Diferença só há quanto ao grau da responsabilidade.”
637. Será culpado o
selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de carne humana?
“Eu disse que o mal depende
da vontade. Pois bem! Tanto mais culpado é o homem, quanto melhor sabe o que
faz.”
As circunstâncias dão
relativa gravidade ao bem e ao mal. Muitas vezes, comete o homem faltas, que, nem por
serem conseqüência da posição em que a sociedade o colocou, se tornam menos
repreensíveis. Mas, a sua responsabilidade é proporcionada aos meios de que ele dispõe para
compreender o bem e o mal. Assim, mais culpado é, aos olhos de Deus, o homem instruído que
pratica uma simples injustiça, do que o selvagem ignorante que se entrega aos seus instintos.
638. Parece, às vezes,
que o mal é uma conseqüência da força das coisas. Tal, por exemplo, a necessidade em
que o homem se vê, nalguns casos, de destruir, até mesmo o seu semelhante. Poder-se-á
dizer que há, então, infração da lei de Deus?
“Embora necessário, o mal
não deixa de ser o mal. Essa necessidade desaparece, entretanto, à medida que a
alma se depura, passando de uma a outra existência. Então, mais culpado é o homem, quando o
pratica, porque melhor o compreende.”
639. Não sucede
freqüentemente resultar o mal, que o homem pratica, da posição em que os outros homens o
colocam? Quais, nesse caso, os culpados?
“O mal recai sobre quem lhe
foi o causador. Nessas condições, aquele que é levado a praticar o mal pela posição em que seus
semelhantes o colocam tem menos culpa do que os que, assim procedendo, o ocasionaram.
Porque, cada um será punido, não só pelo mal que haja feito, mas também pelo mal a que
tenha dado lugar.”
640. Aquele que não
pratica o mal, mas que se aproveita do mal praticado por outrem, é tão culpado
quanto este?
“É como se o houvera
praticado. Aproveitar do mal é participar dele. Talvez não fosse capaz de praticá-lo;
mas, desde que, achando-o feito, dele tira partido, é que o aprova; é que o teria praticado, se
pudera, ou se ousara.”
641. Será tão
repreensível, quanto fazer o mal, o desejá-lo?
“Conforme. Há virtude em
resistir-se voluntariamente ao mal que se deseja praticar, sobretudo quando há
possibilidade de satisfazer-se a esse desejo. Se apenas não o pratica por falta de ocasião, é
culpado quem o deseja.”
642. Para agradar a Deus
e assegurar a sua posição futura, bastará que o homem não pratique o mal?
“Não; cumpre-lhe fazer o bem
no limite de suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja
resultado de não haver praticado o bem.”
643. Haverá quem, pela
sua posição, não tenha possibilidade de fazer o bem?
“Não há quem não possa fazer
o bem. Somente o egoísta nunca encontra ensejo de o praticar. Basta que se
esteja em relações com outros homens para que se tenha ocasião de fazer o bem, e não há dia da
existência que não ofereça, a quem não se ache cego pelo egoísmo, oportunidade de
praticá-lo. Porque, fazer o bem não consiste, para o homem, apenas em ser caridoso, mas
em ser útil, na medida do possível, todas as vezes que o seu concurso venha a ser
necessário.”
644. Para certos homens,
o meio onde se acham colocados não representa a causa primária de muitos vícios
e crimes?
“Sim, mas ainda aí há uma
prova que o Espírito escolheu, quando em liberdade, levado pelo desejo de
expor-se à tentação para ter o mérito da resistência.”
645. Quando o homem se
acha, de certo modo, mergulhado na atmosfera do vício, o mal não se lhe torna um
arrastamento quase irresistível?
“Arrastamento, sim;
irresistível, não; porquanto, mesmo dentro da atmosfera do vício, com grandes virtudes
às vezes deparas. São Espíritos que tiveram a força de resistir e que, ao mesmo tempo,
receberam a missão de exercer boa influência sobre os seus semelhantes.”
646. Estará subordinado a
determinadas condições o mérito do bem que se pratique? Por outra: Será
de diferentes graus o mérito que resulta da prática do bem?
“O mérito do bem está na
dificuldade em praticá-lo. Nenhum merecimento há em fazê-lo sem esforço e quando
nada custe. Em melhor conta tem Deus o pobre que divide com outro o seu único pedaço
de pão, do que o rico que apenas dá do que lhe sobra, disse-o Jesus, a propósito do óbolo
da viúva.”
Divisão da lei natural
647. A lei de Deus se
acha contida toda no preceito do amor ao próximo, ensinado por Jesus?
“Certamente esse preceito
encerra todos os deveres dos homens uns para com os outros. Cumpre, porém, se
lhes mostre a aplicação que comporta, do contrário deixarão de cumpri-lo, como o fazem
presentemente. Demais, a lei natural abrange todas as circunstâncias da vida e
esse preceito compreende só uma parte da lei. Aos homens são necessárias regras precisas;
os preceitos gerais e muito vagos deixam grande
número de portas abertas à interpretação.”
648. Que pensais da
divisão da lei natural em dez partes, compreendendo as leis de adoração, trabalho,
reprodução, conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade e, por fim,
a de justiça, amor e caridade?
“Essa divisão da lei de Deus
em dez partes é a de Moisés e de natureza a abranger todas as circunstâncias da
vida, o que é essencial. Podes, pois, adotá-la, sem que, por isso, tenha qualquer coisa de
absoluta, como não o tem nenhum dos outros sistemas de classificação, que todos
dependem do prisma pelo qual se considere o que quer que seja. A última lei é a mais
importante, por ser a que faculta ao homem adiantar-se mais na vida espiritual, visto que resume
todas as outras.”
CAPÍTULO II
DA LEI DE ADORAÇÃO
1. Objetivo da adoração.
- 2. Adoração exterior. - 3. Vida contemplativa. - 4. A prece. - 5. Panteísmo. - 6.
Sacrifícios.
Objetivo da adoração
649. Em que consiste a
adoração?
“Na elevação do pensamento a
Deus. Deste, pela adoração, aproxima o homem sua alma.”
650. Origina-se de um
sentimento inato a adoração, ou é fruto de ensino?
“Sentimento inato, como o da
existência de Deus. A consciência da sua fraqueza leva o homem a curvar-se
diante daquele que o pode proteger.”
651. Terá havido povos
destituídos de todo sentimento de adoração?
“Não, que nunca houve povos
de ateus. Todos compreendem que acima de tudo há um Ente Supremo.”
652. Poder-se-á
considerar a lei natural como fonte originária da adoração?
“A adoração está na lei
natural, pois resulta de um sentimento inato no homem. Por essa razão é que existe
entre todos os povos, se bem que sob formas diferentes.”
Adoração exterior
653. Precisa de
manifestações exteriores a adoração?
“A adoração verdadeira é do
coração. Em todas as vossas ações, lembrai-vos sempre de que o Senhor tem sobre
vós o seu olhar.”
a) - Será útil a adoração
exterior?
“Sim, se não consistir num
vão simulacro. É sempre útil dar um bom exemplo. Mas, os que somente por afetação
e amor-próprio o fazem, desmentindo com o proceder a aparente piedade, mau
exemplo dão e não imaginam o mal que causam.”
654. Tem Deus preferência
pelos que O adoram desta ou daquela maneira?
“Deus prefere os que O
adoram do fundo do coração, com sinceridade, fazendo o bem e evitando o mal, aos
que julgam honrá-lo com cerimônias que os não tornam melhores para com os seus
semelhantes.
“Todos os homens são irmãos
e filhos de Deus. Ele atrai a Si todos os que lhe obedecem às leis, qualquer
que seja a forma sob que as exprimam.
“É hipócrita aquele cuja
piedade se cifra nos atos exteriores. Mau exemplo dá todo aquele cuja adoração é
afetada e contradiz o seu procedimento.
“Declaro-vos que somente nos
lábios e não na alma tem religião aquele que professa adorar o Cristo, mas que é
orgulhoso, invejoso e cioso, duro e implacável para com outrem, ou ambicioso dos bens deste
mundo. Deus, que tudo vê, dirá: o que conhece a verdade é cem vezes mais culpado do
mal que faz, do que o selvagem ignorante que vive no deserto. E como tal será tratado no
dia da justiça. Se um cego, ao passar, vos derriba, perdoá-lo-eis; se for um homem que enxerga
perfeitamente bem, queixar-vos-eis e com razão.
“Não pergunteis, pois, se
alguma forma de adoração há que mais convenha, porque eqüivaleria a perguntardes
se mais agrada a Deus ser adorado num idioma do que noutro. Ainda uma vez vos
digo: até Ele não chegam os cânticos, senão quando passam pela porta do coração.”
655. Merece censura
aquele que pratica uma religião em que não crê do fundo dalma, fazendo-o apenas
pelo respeito humano e para não escandalizar os que pensam de modo diverso?
“Nisto, como em muitas
outras coisas, a intenção constitui a regra. Não procede mal aquele que, assim fazendo,
só tenha em vista respeitar as crenças de outrem. Procede melhor do que um que as
ridicularize, porque, então, falta à caridade. Aquele, porém, que a pratique por interesse e por
ambição se torna desprezível aos olhos de Deus e dos homens. A Deus não podem agradar os
que fingem humilhar-se diante Dele tão-somente para granjear o aplauso dos
homens.”
656. À adoração
individual será preferível a adoração em comum?
“Reunidos pele comunhão dos
pensamentos e dos sentimentos, mais força têm os homens para atrair a si os
bons Espíritos. O mesmo se dá quando se reúnem para adorar a Deus. Não creias, todavia,
que menos valiosa seja a adoração particular, pois que cada um pode adorar a Deus pensando
Nele.”
Vida contemplativa
657. Têm, perante Deus,
algum mérito os que se consagram à vida contemplativa, uma vez que nenhum mal
fazem e só em Deus pensam?
“Não, porquanto, se é certo
que não fazem o mal, também o é que não fazem o bem e são inúteis. Demais, não
fazer o bem já é um mal. Deus quer que o homem pense Nele, mas não quer que só Nele
pense, pois que lhe impôs deveres a cumprir na Terra. Quem passa todo o tempo na
meditação e na contemplação nada faz de meritório aos olhos de Deus, porque vive uma vida
toda pessoal e inútil à Humanidade e Deus lhe pedirá contas do bem que não houver feito.”
(640)
A Prece
658. Agrada a Deus a
prece?
“A prece é sempre agradável
a Deus, quando ditada pelo coração, pois, para Ele, a intenção é tudo. Assim,
preferível Lhe é a prece do íntimo à prece lida, por muito bela que seja, se for lida mais com
os lábios do que com o coração. Agrada-Lhe a prece, quando dita com fé, com fervor e
sinceridade. Mas, não creias que O toque a do homem fútil, orgulhoso e egoísta, a menos que
signifique, de sua parte, um ato de sincero arrependimento e de verdadeira humildade.”
659. Qual o caráter geral
da prece?
“A prece é um ato de
adoração. Orar a Deus é pensar Nele; é aproximar-se Dele; é pôr-se em comunicação com
Ele. A três coisas podemos propor-nos por meio da prece: louvar, pedir, agradecer.”
660. A prece torna melhor
o homem?
“Sim, porquanto aquele que
ora com fervor e confiança se faz mais forte contra as tentações do mal e Deus lhe
envia bons Espíritos para assisti-lo. É este um socorro que jamais se lhe recusa, quando
pedido com sinceridade.”
a) - Como é que certas
pessoas, que oram muito, são, não obstante, de mau caráter, ciosas, invejosas,
impertinentes, carentes de benevolência e de indulgência e até, algumas vezes, viciosas?
“O essencial não é orar
muito, mas orar bem. Essas pessoas supõem que todo o mérito está na longura da
prece e fecham os olhos para os seus próprios defeitos. Fazem da prece uma ocupação, um
emprego do tempo, nunca, porém, um estudo de si mesmas. A ineficácia, em tais casos,
não é do remédio, sim da maneira por que o aplicam.”
661. Poderemos utilmente
pedir a Deus que perdoe as nossas faltas?
“Deus sabe discernir o bem
do mal; a prece não esconde as faltas. Aquele que a Deus pede perdão de suas
faltas só o obtém mudando de proceder. As boas ações são a melhor prece, por isso que
os atos valem mais que as palavras.”
662. Pode-se, com
utilidade, orar por outrem?
“O Espírito de quem ora atua
pela sua vontade de praticar o bem. Atrai a si, mediante a prece, os bons
Espíritos e estes se associam ao bem que deseje fazer.”
O pensamento e a vontade
representam em nós um poder de ação que alcança muito além dos limites da nossa
esfera corporal. A prece que façamos por outrem é um ato dessa vontade. Se for ardente e
sincera, pode chamar, em auxílio daquele por quem oramos, os bons Espíritos, que lhe
virão sugerir bons pensamentos e dar a força de que necessitem seu corpo e sua alma. Mas, ainda
aqui, a prece do coração é tudo, a dos lábios nada vale.
663. Podem as preces, que
por nós mesmos fizermos, mudar a natureza das nossas provas e desviar-lhes o
curso?
“As vossas provas estão nas
mãos de Deus e algumas há que têm de ser suportadas até ao fim; mas, Deus sempre
leva em conta a resignação. A prece traz para junto de vós os bons Espíritos e, dando-vos
estes a força de suportá-las corajosamente, menos rudes elas vos parecem. Hemos dito que
a prece nunca é inútil, quando bem feita, porque fortalece aquele que ora, o que já
constitui grande resultado. Ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará, bem o sabes. Demais, não é
possível que Deus mude a ordem da Natureza ao sabor de cada um, porquanto o que, do
vosso ponto de vista mesquinho e do da vossa vida efêmera, vos parece um grande mal é quase
sempre um grande bem na ordem geral do Universo. Além disso, de quantos males não
se constitui o homem o próprio autor, pela sua imprevidência ou pelas suas faltas? Ele é
punido naquilo em que pecou. Todavia, as súplicas justas são atendidas mais vezes do que
supondes. Julgais, de ordinário, que Deus não
vos ouviu, porque não fez a vosso favor um milagre, enquanto que vos assiste por meios
tão naturais que vos parecem obra do acaso ou da força das coisas. Muitas vezes também,
as mais das vezes mesmo, ele vos sugere a idéia que vos fará sair da dificuldade pelo
vosso próprio esforço.”