O LIVRO DOS ESPÍRITOS - QUESTÕES 01 A 1.019

562. Já não tendo o que adquirir, os Espíritos da ordem mais elevada se acham em repouso absoluto, ou também lhes tocam ocupações?

“Que quererias que fizessem na eternidade? A ociosidade eterna seria um eterno suplício.”

a) - De que natureza são as suas ocupações?

“Receber diretamente as ordens de Deus, transmiti-las ao universo inteiro e velar porque sejam cumpridas.”

 

563. São incessantes as ocupações dos Espíritos?

“Incessantes, sim, atendendo-se a que sempre ativos são os seus pensamentos, porquanto vivem pelo pensamento. Importa, porém, não identifiqueis as ocupações dos Espíritos com as ocupações materiais dos homens. Essa mesma atividade lhes constitui um gozo, pela consciência que têm de ser úteis.”

a) - Concebe-se isto com relação aos bons Espíritos. Dar-se-á, entretanto, o mesmo com os Espíritos inferiores?

“A estes cabem ocupações apropriadas à sua natureza. Confiais, porventura, ao obreiro manual e ao ignorante trabalhos que só o homem instruído pode executar?”

 

564. Haverá Espíritos que se conservem ociosos, que em coisa alguma útil se ocupem?

“Há, mas esse estado é temporário e dependendo do desenvolvimento de suas inteligências. Há, certamente, como há homens que só para si mesmos vivem. Pesa-lhes, porém, essa ociosidade e, cedo ou tarde, o desejo de progredir lhes faz necessária a atividade e felizes se sentirão por poderem tornar-se úteis. Referimo-nos aos Espíritos que hão chegado ao ponto de terem consciência de si mesmos e do seu livre-arbítrio; porquanto, em sua origem, todos são quais crianças que acabam de nascer e que obram mais por instinto que por vontade expressa.”

 

565. Atentam os Espíritos em nossos trabalhos de arte e por eles se interessam?

“Atentam no que prove a elevação dos Espíritos e seus progressos.”

 

566. Um Espírito, que haja cultivado na Terra uma especialidade artística, que tenha sido, por exemplo, pintor, ou arquiteto, se interessa de preferência pelos trabalhos que constituíram objeto de sua predileção durante a vida?

“Tudo se confunde num objetivo geral, Se for um Espírito bom, esses trabalhos o interessarão na medida do ensejo que lhe proporcionem de auxiliar as almas a se elevarem para Deus. Demais, esqueceis que um Espírito que cultivou certa arte, na existência em que o conhecestes, pode ter cultivado outra em anterior existência, pois que lhe cumpre saber tudo para ser perfeito. Assim, conforme o grau do seu adiantamento, pode suceder que nada seja para ele uma especialidade. Foi o que eu quis significar, dizendo que tudo se confunde num objetivo geral. Notai ainda o seguinte: o que, no vosso mundo atrasado, considerais sublime, não passa de infantilidade, comparado ao que há em mundos mais adiantados. Como pretenderíeis que os Espíritos que habitam esses mundos, onde existem artes que desconheceis, admirem o que, aos seus olhos, corresponde a trabalhos de colegiais? Por isso disse eu: atentam no que demonstre progresso.”

a) - Concebemos que seja assim, em se tratando de Espíritos muito adiantados.

Referimo-nos, porém, a Espíritos mais vulgares, que ainda se não elevaram acima das idéias terrenas.

“Com relação a esses, o caso é diferente. Mais restrito é o ponto de vista donde observam as coisas. Podem, portanto, admirar o que vos cause admiração.”

 

567. Costumam os Espíritos imiscuir-se em nossos prazeres e ocupações?

“Os Espíritos vulgares, como dizes, costumam. Esses vos rodeiam constantemente e com freqüência tomam parte muito ativa no que fazeis, de conformidade com suas naturezas. Cumpre assim aconteça, porque, para serem os homens impelidos pelas diversas veredas da vida, necessário é que se lhes excitem ou moderem as paixões.”

 

Com as coisas deste mundo os Espíritos se ocupam conformemente ao grau de elevação ou de inferioridade em que se achem. Os Espíritos superiores dispõem, sem dúvida, da faculdade de examiná-las nas suas mínimas particularidades, mas só o fazem na medida em que isso seja útil ao progresso. Unicamente os Espíritos inferiores ligam a essas coisas uma importância relativa às reminiscências que ainda conservam e às idéias materiais que ainda se não extinguiram neles.

 

568. Os Espíritos, que têm missões a cumprir, as cumprem na erraticidade, ou encarnados?

“Podem tê-las num e noutro estado. Para certos Espíritos errantes, é uma grande ocupação.”

 

569. Em que consistem as missões de que podem ser encarregados os Espíritos errantes?

“São tão variadas que impossível fora descrevê-las. Muitas há mesmo que não podeis compreender. Os Espíritos executam as vontades de Deus e não vos é dado penetrar-lhe todos os desígnios.”

 

As missões dos Espíritos têm sempre por objeto o bem. Quer como Espíritos, quer como homens, são incumbidos de auxiliar o progresso da Humanidade, dos povos ou dos indivíduos, dentro de um círculo de idéias mais ou menos amplas, mais ou menos especiais e de velar pela execução de determinadas coisas. Alguns desempenham missões mais restritas e, de certo modo, pessoais ou inteiramente locais, como sejam assistir os enfermos, os agonizantes, os aflitos, velar por aqueles de quem se constituíram guias e protetores, dirigi-los, dando-lhes conselhos ou inspirando-lhes bons pensamentos. Pode dizer-se que há tantos gêneros de missões quantas as espécies de interesses a resguardar, assim no mundo físico, como no moral. O Espírito se adianta conforme à maneira por que desempenha a sua tarefa.

 

570. Os Espíritos percebem sempre os desígnios que lhes compete executar?

“Não. Muitos há que são instrumentos cegos. Outros, porém, sabem muito bem com que fim atuam.”

 

571. Só os Espíritos elevados desempenham missões?

“A importância das missões corresponde às capacidades e à elevação do Espírito. O estafeta que leva um telegrama ao seu destinatário também desempenha uma perfeita missão, se bem que diversa da de um general.”

 

572. A missão de um Espírito lhe é imposta, ou depende da sua vontade?

“Ele a pede e ditoso se considera se a obtém.”

a) - Pode uma igual missão ser pedida por muitos Espíritos?

“Sim, é freqüente apresentarem-se muitos candidatos, mas nem todos são aceitos.”

 

573. Em que consiste a missão dos Espíritos encarnados?

“Em instruir os homens, em lhes auxiliar o progresso; em lhes melhorar as instituições, por meios diretos e materiais. As missões, porém, são mais ou menos gerais e importantes. O que cultiva a terra desempenha tão nobre missão, como o que governa, ou o que instrui. Tudo em a Natureza se encadeia. Ao mesmo tempo que o Espírito se depura pela encarnação, concorre, dessa forma, para a execução dos desígnios da Providência. Cada um tem neste mundo a sua missão, porque todos podem ter alguma utilidade.”

 

574. Qual pode ser, na Terra, a missão das criaturas voluntariamente inúteis?

“Há efetivamente pessoas que só para si mesmas vivem e que não sabem tornar-se úteis ao que quer que seja. São pobres seres dignos de compaixão, porquanto expiarão duramente sua voluntária inutilidade, começando-lhes muitas vezes, já nesse mundo, o castigo, pelo aborrecimento e pelo desgosto que a vida lhes causa.”

a) - Pois que lhes era facultada a escolha, por que preferiram uma existência que nenhum proveito lhes traria?

“Entre os Espíritos também há preguiçosos que recuam diante de uma vida de labor. Deus consente que assim procedam. Mais tarde compreenderão, à própria custa, os inconvenientes da inutilidade a que se votaram e serão os primeiros a pedir que se lhes conceda recuperar o tempo perdido. Pode também acontecer que tenham escolhido uma vida útil e que hajam recuado diante da execução da obra, deixando-se levar pelas sugestões dos Espíritos que os induzem a permanecer na ociosidade.”

 

575. As ocupações comuns mais nos parecem deveres do que missões propriamente ditas. A missão, de acordo com a idéia a que esta palavra está associada, tem um caráter menos exclusivo, de importância sobretudo menos pessoal. Deste ponto de vista, como se pode reconhecer que um homem tem realmente na Terra uma determinada missão?

“Pelas grandes coisas que opera, pelos progressos a cuja realização conduz seus semelhantes.”

 

576. Foram predestinados a isso, antes de nascerem, os homens que trazem uma importante missão e dela têm conhecimento?

“Algumas vezes, assim é. Quase sempre, porém, o ignoram. Baixando à Terra, colimam um vago objetivo. Depois do nascimento e de acordo com as circunstâncias é que suas missões se lhes desenham às vistas. Deus os impele para a senda onde devam executar-lhe os desígnios.”

 

577. Quando um homem faz alguma coisa útil fá-la sempre em virtude da missão em que foi anteriormente investido e a que vem predestinado, ou pode suceder que haja recebido missão não prevista?

“Nem tudo o que o homem faz resulta de missão a que tenha sido predestinado. Amiudadas vezes é o instrumento de que se serve um Espírito para fazer que se execute uma coisa que julga útil. Por exemplo, entende um Espírito ser útil que se escreva um livro, que ele próprio escreveria se estivesse encarnado. Procura então o escritor mais apto a lhe compreender e executar o pensamento. Transmite-lhe a idéia do livro e o dirige na execução. Ora, esse escritor não veio à Terra com a missão de publicar tal obra. O mesmo ocorre com diversos trabalhos artísticos e muitas descobertas. Devemos acrescentar que, durante o sono corporal, o Espírito encarnado se comunica diretamente com o Espírito errante, entendendo-se os dois acerca da execução.”

 

578. Poderá o Espírito, por própria culpa, falir na sua missão?

“Sim, se não for um Espírito superior.”

a) - Que conseqüências lhe advirão da sua falência?

“Terá que retomar a tarefa; essa a sua punição. Também sofrerá as conseqüências do mal que haja causado.”

 

579. Pois se é de Deus que o Espírito recebe a sua missão, como se há de compreender que Deus confie missão importante e de interesse geral a um Espírito capaz de falir?

“Não sabe Deus se o seu general obterá a vitória ou se será vencido? Sabe-o, crede, e seus planos, quando importantes, não se apóiam nos que hajam de abandonar em meio a obra. Toda a questão, para vós, está no conhecimento que Deus tem do futuro, mas que não vos é concedido.”

 

580. O Espírito, que encarna para desempenhar determinada missão, tem apreensões idênticas às de outro que o faz por provação?

“Não, porque traz a experiência adquirida.”

 

581. Certamente desempenha missão os homens que servem de faróis ao gênero humano, que o iluminam com a luz do gênio. Entre eles, porém, alguns há que se enganam, que, de par com grandes verdades, propagam grandes erros. Como se deve considerar a missão desses homens?

“Como falseadas por eles próprios. Estão abaixo da tarefa que tomaram sobre os ombros. Contudo, mister se faz levar em conta as circunstâncias. Os homens de gênio têm que falar de acordo com as épocas em que vivem e assim, um ensinamento que pareceu errôneo ou pueril, numa época adiantada, pode ter sido o que convinha no século em que foi divulgado.”

 

582. Pode-se considerar como missão a paternidade?

“É, sem contestação possível, uma verdadeira missão. É ao mesmo tempo grandíssimo dever e que envolve, mais do que o pensa o homem, a sua responsabilidade quanto ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim de que estes o dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a tarefa dando àquele uma organização débil e delicada, que o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de aprumar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de formar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que ele avançasse na estrada do bem.”

 

583. São responsáveis os pais pelo transviamento de um filho que envereda pelo caminho do mal, apesar dos cuidados que lhe dispensaram?

“Não; porém, quanto piores forem as propensões do filho, tanto mais pesada é a tarefa e tanto maior o mérito dos pais, se conseguirem desviá-lo do mau caminho.”

a) Se um filho se torna homem de bem, não obstante a negligência ou os maus exemplos de seus pais, tiram estes daí algum proveito?

“Deus é justo.”

 

584. De que natureza será a missão do conquistador que apenas visa satisfazer à sua ambição e que, para alcançar esse objetivo, não vacila ante nenhuma das calamidades que vai espalhando?

“As mais das vezes não passa de um instrumento de que se serve Deus para cumprimento de seus desígnios, representando essas calamidades um meio de que ele se utiliza para fazer que um povo progrida mais rapidamente.”

a) - Nenhuma parte tendo na produção do bem que dessas calamidades passageiras possa resultar, pois que visava um fim todo pessoal, aquele que delas se constitui instrumento tirará, não obstante, proveito desse bem?

“Cada um é recompensado de acordo com as suas obras, com o bem que intentou fazer e com a retidão de suas intenções.”

 

Os Espíritos encarnados têm ocupações inerentes às suas existências corpóreas. No estado de erraticidade, ou de desmaterialização, tais ocupações são adequadas ao grau de adiantamento deles.

Uns percorrem os mundos, se ocupam com o progresso, dirigindo os acontecimentos e sugerindo idéias que lhe sejam propícias. Assistem os homens de gênio que concorrem para o adiantamento da Humanidade.

Outros encarnam com determinada missão de progresso.

Outros tomam sob sua tutela os indivíduos, as famílias, as reuniões, as cidades e os povos, dos quais se constituem os anjos guardiães, os gênios protetores e os Espíritos familiares. Outros, finalmente, presidem aos fenômenos da Natureza, de que se fazem os agentes diretos.

Os Espíritos vulgares se imiscuem em nossas ocupações e diversões.

Os impuros ou imperfeitos aguardam, em sofrimentos e angústias, o momento em que praza a Deus proporcionar-lhes meios de se adiantarem. Se praticam o mal, é pelo despeito de ainda não poderem gozar do bem.

 

CAPÍTULO XI

DAS TRÊS REINOS

 

1. Os minerais e as plantas. - 2. Os animais e o homem. - 3. Metempsicose.

 

Os minerais e as plantas

 

585. Que pensais da divisão da Natureza em três reinos, ou melhor, em duas classes: a dos seres orgânicos e a dos inorgânicos? Segundo alguns, a espécie humana forma uma quarta classe. Qual destas divisões é preferível?

“Todas são boas, conforme o ponto de vista. Do ponto de vista material, apenas há seres orgânicos e inorgânicos. Do ponto de vista moral, há evidentemente quatro graus.”

 

Esses quatro graus apresentam, com efeito, caracteres determinados, muito embora pareçam confundir-se nos seus limites extremos. A matéria inerte, que constitui o reino mineral, só tem em si uma força mecânica. As plantas, ainda que compostas de matéria inerte, são dotadas de vitalidade. Os animais, também compostos de matéria inerte e igualmente dotados de vitalidade, possuem, além disso, uma espécie de inteligência instintiva, limitada, e a consciência de sua existência e de suas individualidades. O homem, tendo tudo o que há nas plantas e nos animais, domina todas as outras classes por uma inteligência especial, indefinida, que lhe dá a consciência do seu futuro, a percepção das coisas extramateriais e o conhecimento de Deus.

 

586. Têm as plantas consciências de que existem?

“Não, pois que não pensam; só têm vida orgânica.”

 

587. Experimentam sensações? Sofrem quando as mutilam?

“Recebem impressões físicas que atuam sobre a matéria, mas não têm percepções. Conseguintemente, não têm a sensação da dor.”

 

588. Independe da vontade delas a força que as atrai umas para as outras?

“Certo, porquanto não pensam. É uma força mecânica da matéria, que atua sobre a matéria, sem que elas possam a isso opor-se.”

 

589. Algumas plantas, como a sensitiva e a dionéia, por exemplo, executam movimentos que denotam grande sensibilidade e, em certos casos, uma espécie de vontade, conforme se observa na segunda, cujos lóbulos apanham a mosca que sobre ela pousa para sugá-la, parecendo que urde uma armadilha com o fim de capturar e matar aquele inseto. São dotadas essas plantas da faculdade de pensar? Têm vontade e formam uma classe intermediária entre a Natureza vegetal e Natureza animal? Constituem a transição de uma para outra?

“Tudo em a Natureza é transição, por isso mesmo que uma coisa não se assemelha a outra e, no entanto, todas se prendem umas às outras. As plantas não pensam; por conseguinte carecem de vontade. Nem a ostra que se abre, nem os zoófitos pensam: têm apenas um instinto cego e natural.”

 

O organismo humano nos proporciona exemplo de movimentos análogos, sem participação da vontade, nas funções digestivas e circulatórias. O piloro se contrai, ao contacto de certos corpos, para lhes negar passagem. O mesmo provavelmente se dá na sensitiva, cujos movimentos de nenhum modo implicam a necessidade de percepção e, ainda menos, da vontade.

 

590. Não haverá nas plantas, como nos animais, um instinto de conservação, que as induza a procurar o que lhes possa ser útil e a evitar o que lhes possa ser nocivo?

“Há, se quiserdes, uma espécie de instinto, dependendo isso da extensão que se dê ao significado desta palavra. É, porém, um instinto puramente mecânico. Quando, nas operações químicas, observais que dois corpos se reúnem, é que um ao outro convém; quer dizer: é que há entre eles afinidade. Ora, a isto não dais o nome de instinto.”

 

591. Nos mundos superiores, as plantas são de natureza mais perfeita, como os outros seres?

“Tudo é mais perfeito. As plantas, porém, são sempre plantas, como os animais sempre animais e os homens sempre homens.”

 

Os animais e o homem

 

592. Se, pelo que toca à inteligência, comparamos o homem e os animais, parece difícil estabelecer-se uma linha de demarcação entre aquele e estes, porquanto alguns animais mostram, sob esse aspecto, notória superioridade sobre certos homens. Pode essa linha de demarcação ser estabelecida de modo preciso?

“A este respeito é completo o desacordo entre os vossos filósofos. Querem uns que o homem seja um animal e outros que o animal seja um homem. Estão todos em erro. O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes e que pode também elevar-se muito alto. Pelo físico, é como os animais e menos bem dotado do que muitos destes. A Natureza lhes deu tudo o que o homem é obrigado a inventar com a sua inteligência, para satisfação de suas necessidades e para sua conservação. Seu corpo se destrói, como o dos animais, é certo, mas ao seu Espírito está assinado um destino que só ele pode compreender, porque só ele é inteiramente livre. Pobres homens, que vos rebaixais mais do que os brutos! Não sabeis distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pela faculdade de pensar em Deus.”

 

593. Poder-se-á dizer que os animais só obram por instinto?

“Ainda aí há um sistema. É verdade que na maioria dos animais domina o instinto. Mas, não vês que muitos obram denotando acentuada vontade? É que têm inteligência, porém limitada.”

 

Não se poderia negar que, além de possuírem o instinto, alguns animais praticam atos combinados, que denunciam vontade de operar em determinado sentido e de acordo com as circunstâncias. Há, pois, neles, uma espécie de inteligência, mas cujo exercício quase que se circunscreve à utilização dos meios de satisfazerem às suas necessidades físicas e de proverem à conservação própria. Nada, porém, criam, nem melhora alguma realizam. Qualquer que seja a arte com que executem seus trabalhos, fazem hoje o que faziam outrora e o fazem, nem melhor, nem pior, segundo formas e proporções constantes e invariáveis. A cria, separada dos de sua espécie, não deixa por isso de construir o seu ninho de perfeita conformidade com os seus maiores, sem que tenha recebido nenhum ensino. O desenvolvimento intelectual de alguns, que se mostram suscetíveis de certa educação, desenvolvimento, aliás, que não pode ultrapassar acanhados limites, é devido à ação do homem sobre uma natureza maleável, porquanto não há aí progresso que lhe seja próprio.

Mesmo o progresso que realizam pela ação do homem é efêmero e puramente individual, visto que, entregue a si mesmo, não tarda que o animal volte a encerrar-se nos limites que lhe traçou a Natureza.

 

594. Têm os animais alguma linguagem?

“Se vos referis a uma linguagem formada de sílabas e palavras, não. Meio, porém, de se comunicarem entre si, têm. Dizem uns aos outros muito mais coisas do que imaginais, Mas, essa mesma linguagem de que dispõem é restrita às necessidades, como restritas também são as idéias que podem ter.”

a) - Há, entretanto, animais que carecem de voz. Esses parece que nenhuma linguagem usam, não?

“Compreendem-se por outros meios. Para vos comunicardes reciprocamente, vós outros, homens, só dispondes da palavra? E os mudos? Facultada lhes sendo a vida de relação, os animais possuem meios de se prevenirem e de exprimirem as sensações que experimentam. Pensais que os peixes não se entendem entre si? O homem não goza do privilégio exclusivo da linguagem. Porém, a dos animais é instintiva e circunscrita pelas suas necessidades e idéias, ao passo que a do homem é perfectível e se presta a todas as concepções da sua inteligência.”

 

Efetivamente, os peixes que, como as andorinhas, emigram em cardumes, obedientes ao guia que os conduz, devem ter meios de se advertirem, de se entenderem e combinarem. É possível que disponham de uma vista mais penetrante e esta lhes permita perceber os sinais que mutuamente façam. Pode ser também que tenham na água um veículo próprio para a transmissão de certas vibrações. Como quer que seja, o que é incontestável é que lhes não falecem meios de se entenderem, do mesmo modo que a todos os animais carentes de voz e que, não obstante, trabalham em comum. Diante disso, que admiração pode causar que os Espíritos entre si se comuniquem sem o auxílio da palavra articulada?

 

595. Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos seus atos?

“Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a liberdade de ação, de que desfrutam, é limitada pelas suas necessidades e não se pode comparar à do homem. Sendo muitíssimo inferiores a este, não têm os mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida material.”

 

596. Donde procede a aptidão que certos animais denotam para imitar a linguagem do homem e por que essa aptidão se revela mais nas aves do que no macaco, por exemplo, cuja conformação apresenta mais analogia com a humana?

“Origina-se de uma particular conformação dos órgãos vocais, reforçada pelo instinto de imitação. O macaco imita os gestos; algumas aves imitam a voz.”

 

597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?

“Há e que sobrevive ao corpo.”

a) - Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?

“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.”

 

598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma?

“Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.”

 

599. À alma dos animais é dado escolher a espécie de animal em que encarne?

“Não, pois que lhe falta livre-arbítrio.”

 

600. Sobrevivendo ao corpo em que habitou, a alma do animal vem a achar-se, depois da morte, nem estado de erraticidade, como a do homem?

“Fica numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e obra por sua livre vontade. De idêntica faculdade não dispõe o dos animais. A consciência de si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal, depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem incumbe essa tarefa e utilizado quase imediatamente. Não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas.”

 

601. Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei progressiva?

“Sim; e daí vem que nos mundos superiores, onde os homens são mais adiantados, os animais também o são, dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre, porém, inferiores ao homem e se lhe acham submetidos, tendo neles o homem servidores inteligentes.”

 

Nada há nisso de extraordinário, tomemos os nossos mais inteligentes animais, o cão, o elefante, o cavalo, e imaginemo-los dotados de uma conformação apropriada a trabalhos manuais. Que não fariam sob a direção do homem?

 

602. Os animais progridem, como o homem, por ato da própria vontade, ou pela força das coisas?

“Pela força das coisas, razão por que não estão sujeitos à expiação.”

 

603. Nos mundos superiores, os animais conhecem a Deus?

“Não. Para eles o homem é um deus, como outrora os Espíritos eram deuses para o homem.”

 

604. Pois que os animais, mesmo os aperfeiçoados, existentes nos mundos superiores, são sempre inferiores ao homem, segue-se que Deus criou seres intelectuais perpetuamente destinados à inferioridade, o que parece em desacordo com a unidade de vistas e de progresso que todas as suas obras revelam.

“Tudo em a Natureza se encadeia por elos que ainda não podeis apreender. Assim, as coisas aparentemente mais díspares têm pontos de contacto que o homem, no seu estado atual, nunca chegará a compreender. Por um esforço da inteligência poderá entrevê-los; mas, somente quando essa inteligência estiver no máximo grau de desenvolvimento e liberta dos preconceitos do orgulho e da ignorância, logrará ver claro na obra de Deus. Até lá, suas muito restritas idéias lhe farão observar as coisas por um mesquinho e acanhado prisma. Sabei não ser possível que Deus se contradiga e que, na Natureza, tudo se harmoniza mediante leis gerais, que por nenhum de seus pontos deixam de corresponder à sublime sabedoria do Criador.”

a) - A inteligência é então uma propriedade comum, um ponto de contacto entre a alma dos animais e a do homem?

“É, porém os animais só possuem a inteligência da vida material. No homem, a inteligência proporciona a vida moral.”

 

605. Considerando-se todos os pontos de contacto que existem entre o homem e os animais, não seria lícito pensar que o homem possui duas almas: a alma animal e a alma espírita e que, se esta última não existisse, só como o bruto poderia ele viver? Por outra: que o animal é um ser semelhante ao homem, tendo de menos a alma espírita? Dessa maneira de ver resultaria serem os bons e os maus instintos do homem efeito da predominância de uma ou outra dessas almas?

“Não, o homem não tem duas almas. O corpo, porém, tem seus instintos, resultantes da sensação peculiar aos órgãos. Dupla, no homem, só é a Natureza. Há nele a natureza animal e a natureza espiritual. Participa, pelo seu corpo, da natureza dos animais e de seus instintos. Por sua alma, participa da dos Espíritos.”

a) - De modo que, além de suas próprias imperfeições de que cumpre ao Espírito despojar-se, tem ainda o homem que lutar contra a influência da matéria?

“Quanto mais inferior é o Espírito, tanto mais apertados são os laços que o ligam à matéria. Não o vedes? O homem não tem duas almas; a alma é sempre única em cada ser. São distintas uma da outra a alma do animal e a do homem, a tal ponto que a de um não pode animar o corpo criado para o outro. Mas, conquanto não tenha alma animal, que, por suas paixões, o nivele aos animais, o homem tem o corpo que, às vezes, o rebaixa até ao nível deles, por isso que o corpo é um ser dotado de vitalidade e de instintos, porém ininteligentes estes e restritos ao cuidado que a sua conservação requer.”

 

Encarnado no corpo do homem, o Espírito lhe traz o princípio intelectual e moral, que o torna superior aos animais. As duas naturezas nele existentes dão às suas paixões duas origens diferentes: umas provêm dos instintos da natureza animal, provindo as outras das impurezas do Espírito, de cuja encarnação é ele a imagem e que mais ou menos simpatiza com a grosseria dos apetites animais. Purificando-se, o Espírito se liberta pouco a pouco da influência da matéria. Sob essa influência, aproxima-se do bruto. Isento dela, eleva-se à sua verdadeira destinação.

 

606. Donde tiram os animais o princípio inteligente que constitui a alma de natureza especial de que são dotados?

“Do elemento inteligente universal.”

a) - Então, emanam de um único princípio a inteligência do homem e a dos animais?

“Sem dúvida alguma, porém, no homem, passou por uma elaboração que a coloca acima da que existe no animal.”

 

607. Dissestes (190) que o estado da alma do homem, na sua origem, corresponde ao estado da infância na vida corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e se ensaia para a vida. Onde passa o Espírito essa primeira fase do seu desenvolvimento?

“Numa série de existências que precedem o período a que chamais Humanidade.”

a) - Parece que, assim, se pode considerar a alma como tendo sido o princípio inteligente dos seres inferiores da criação, não?

“Já não dissemos que todo em a Natureza se encadeia e tende para a unidade? Nesses seres, cuja totalidade estais longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida, conforme acabamos de dizer. É, de certo modo, um trabalho preparatório, como o da germinação, por efeito do qual o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. Entra então no período da humanização, começando a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a responsabilidade dos seus atos. Assim, à fase da infância se segue a da adolescência, vindo depois a da juventude e da madureza. Nessa origem, coisa alguma há de humilhante para o homem. Sentir-se-ão humilhados os grandes gênios por terem sido fetos informes nas entranhas que os geraram? Se alguma coisa há que lhe seja humilhante, é a sua inferioridade perante Deus e sua impotência para lhe sondar a profundeza dos desígnios e para apreciar a sabedoria das leis que regem a harmonia do Universo. Reconhecei a grandeza de Deus nessa admirável harmonia, mediante a qual tudo é solidário na Natureza. Acreditar que Deus haja feito, seja o que for, sem um fim, e criado seres inteligentes sem futuro, fora blasfemar da Sua bondade, que se estende por sobre todas as suas criaturas.”

b) Esse período de humanização principia na Terra?

“A Terra não é o ponto de partida da primeira encarnação humana. O período da humanização começa, geralmente, em mundos ainda inferiores à Terra. Isto, entretanto, não constitui regra absoluta, pois pode suceder que um Espírito, desde o seu início humano, esteja apto a viver na Terra. Não é freqüente o caso; constitui antes uma exceção.”

 

608. O Espírito do homem tem, após a morte, consciência de suas existências ao período de humanidade?

“Não, pois não é desse período que começa a sua vida de Espírito. Difícil é mesmo que se lembre de suas primeiras existências humanas, como difícil é que o homem se lembre dos primeiros tempos de sua infância e ainda menos do tempo que passou no seio materno. Essa a razão por que os Espíritos dizem que não sabem como começaram.”

 

609. Uma vez no período da humanidade, conserva o Espírito traços do que era precedentemente, quer dizer: do estado em que se achava no período a que se poderia chamar ante-humano?

“Conforme a distância que medeie entre os dois períodos e o progresso realizado. Durante algumas gerações, pode ele conservar vestígios mais ou menos pronunciados do estado primitivo, porquanto nada se opera na Natureza por brusca transição. Há sempre anéis que ligam as extremidades da cadeia dos seres e dos acontecimentos. Aqueles vestígios, porém, se apagam com o desenvolvimento do livre-arbítrio. os primeiros progressos só muito lentamente se efetuam, porque ainda não têm a secundá-los a vontade. Vão em progressão mais rápida, à medida que o Espírito adquire perfeita consciência de si mesmo.”

 

610. Ter-se-ão enganado os Espíritos que disseram constituir o homem um ser à parte na ordem da criação?

“Não, mas a questão não fora desenvolvida. Demais, há coisas que só a seu tempo podem ser esclarecidas. O homem é, com efeito, um ser à parte, visto possuir faculdades que o distinguem de todos os outros e ter outro destino. A espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação do seres que podem conhecê-Lo.”

 

Metempsicose

 

611. O terem os seres vivos uma origem comum no princípio inteligente não é a consagração da doutrina da metempsicose?

“Duas coisas podem ter a mesma origem e absolutamente não se assemelharem mais tarde. Quem reconheceria a árvore, com suas folhas, flores e frutos, do gérmen informe que se contém na semente donde ela surge? Desde que o princípio inteligente atinge o grau necessário para ser Espírito e entrar no período da humanização, já não guarda relação com o seu estado primitivo e já não é a alma dos animais, como a árvore já não é a semente. De animal só há no homem o corpo e as paixões que nascem da influência do corpo e do instinto de conservação inerente à matéria. Não se pode, pois, dizer que tal homem é a encarnação do Espírito de tal animal. Conseguintemente, a metempsicose, como a entendem não é verdadeira.”

 

612. Poderia encarnar num animal o Espírito que animou o corpo de um homem?

“Isso seria retrogradar e o Espírito não retrograda. O rio não remonta à sua nascente.” (118).

 

 

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