Necessário e supérfluo
715. Como pode o homem
conhecer o limite do necessário?
“Aquele que é ponderado o
conhece por intuição. Muitos só chegam a conhecê-lo por experiência e à sua
própria custa.”
716. Mediante a
organização que nos deu, não traçou a Natureza o limite das nossas necessidades?
“Sem dúvida, mas o homem é
insaciável. Por meio da organização que lhe deu, a Natureza lhe traçou o limite
das necessidades; porém, os vícios lhe alteraram a constituição e lhe criaram necessidades
que não são reais.”
717. Que se há de pensar
dos que açambarcam os bens da Terra para se proporcionarem o
supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o necessário?
“Olvidam a lei de Deus e
terão que responder pela privações que houverem causado aos outros.”
Nada tem de absoluto o
limite entre o necessário e o supérfluo. A Civilização criou necessidades que o selvagem
desconhece e os Espíritos que ditaram os preceitos acima não pretendem que o homem
civilizado deva viver como o selvagem. Tudo é relativo, cabendo à razão regrar as coisas. A
Civilização desenvolve o senso moral e, ao mesmo tempo, o sentimento de caridade, que
leva os homens a se prestarem mútuo apoio. Os que vivem à custa das privações dos
outros exploram, em seu proveito, os benefícios da Civilização. Desta têm apenas o verniz,
como muitos há que da religião só têm a máscara.
Privações voluntárias.
Mortificações
718. A lei de conservação
obriga o homem a prover às necessidades do corpo?
“Sim, porque, sem força e
saúde, impossível é o trabalho.”
719. Merece censura o
homem, por procurar o bem-estar?
“É natural o desejo do
bem-estar. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação. Ele não condena a procura do bem-estar,
desde que não seja conseguido à custa de outrem e não venha a diminuir-vos nem as forças
físicas, nem as forças morais.”
720. São meritórias aos
olhos de Deus as privações voluntárias, com o objetivo de uma expiação igualmente
voluntária?
“Fazei o bem aos vossos
semelhantes e mais mérito tereis.”
a) - Haverá privações
voluntárias que sejam meritórias?
“Há: a privação dos gozos
inúteis, porque desprende da matéria o homem e lhe eleva a alma. Meritório é
resistir à tentação que arrasta ao excesso ou ao gozo das coisas inúteis; é o homem tirar do
que lhe é necessário para dar aos que carecem do bastante. Se a privação não passar de
simulacro, será uma irrisão.”
721. É meritória, de
qualquer ponto de vista, a vida de mortificações ascéticas que desde a mais remota
antigüidade teve praticantes no seio de diversos povos?
“Procurai saber a quem ela
aproveita e tereis a resposta. Se somente serve para quem a pratica e o impede de
fazer o bem, é egoísmo, seja qual for o pretexto com que entendam de colori-la. Privar-se a si
mesmo e trabalhar para os outros, tal a verdadeira mortificação, segundo a caridade cristã.”
722. Será racional a
abstenção de certos alimentos, prescrita a diversos povos?
“Permitido é ao homem
alimentar-se de tudo o que lhe não prejudique a saúde. Alguns legisladores, porém,
com um fim útil, entenderam de interdizer o uso de certos alimentos e, para maior
autoridade imprimirem às suas leis, apresentaram-nas como emanadas de Deus.”
723. A alimentação animal
é, com relação ao homem, contrária à lei da Natureza?
“Dada a vossa constituição
física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação
lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do
trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização.”
724. Será meritório
abster-se o homem da alimentação animal, ou de outra qualquer, por expiação?
“Sim, se praticar essa
privação em benefício dos outros. Aos olhos de Deus, porém, só há mortificação, havendo
privação séria e útil. Por isso é que qualificamos de hipócritas os que apenas aparentemente
se privam de alguma coisa.” (720)
725. Que se deve pensar
das mutilações operadas no corpo do homem ou dos animais?
“A que propósito, semelhante
questão? Ainda uma vez: inquiri sempre vós mesmos se é útil aquilo de que
porventura se trate. A Deus não pode agradar o que seja inútil e o que for nocivo Lhe será sempre
desagradável. Porque, ficai sabendo, Deus só é sensível aos sentimentos que elevam para
Ele a alma. Obedecendo-Lhe à lei e não a violando é que podereis forrar-vos ao jugo
da vossa matéria terrestre.”
726. Visto que os
sofrimentos deste mundo nos elevam, se os suportarmos devidamente, dar-se-á que
também nos elevam os que nós mesmos nos criamos?
“Os sofrimentos naturais são
os únicos que elevam, porque vêm de Deus. Os sofrimentos voluntários de
nada servem, quando não concorrem para o bem de outrem. Supões que se adiantam no
caminho do progresso os que abreviam a vida, mediante rigores sobre-humanos, como o fazem
os bonzos, os faquires e alguns fanáticos de muitas seitas? Por que de preferência não
trabalham pelo bem de seus semelhantes? Vistam o indigente; consolem o que chora;
trabalhem pelo que está enfermo; sofram privações para alívio dos infelizes e então suas vidas serão úteis e,
portanto, agradáveis a Deus. Sofrer alguém voluntariamente, apenas por seu próprio bem, é egoísmo;
sofrer pelos outros é caridade: tais os preceitos do Cristo.”
727. Uma vez que não
devemos criar sofrimentos voluntários, que nenhuma utilidade tenham para
outrem, deveremos cuidar de preservar-nos dos que prevejamos ou nos ameacem?
“Contra os perigos e os
sofrimentos é que o instinto de conservação foi dado a todos os seres. Fustigai o vosso
espírito e não o vosso corpo, mortificai o vosso orgulho, sufocai o vosso egoísmo, que se
assemelha a uma serpente a vos roer o coração, e fareis muito mais pelo vosso adiantamento do
que infligindo-vos rigores que já não são deste século.”
CAPÍTULO VI
DA LEI DE DESTRUIÇÃO
1. Destruição necessária
e destruição abusiva. - 2. Flagelos destruidores. - 3. Guerras. - 4. Assassínio. - 5.
Crueldade. - 6. Duelo. - 7. Pena de morte.
Destruição necessária e
destruição abusiva
728. É lei da Natureza a
destruição?
“Preciso é que tudo se
destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma
transformação, que tem por fim a renovação e melhoria dos seres vivos.”
a) - O instinto de
destruição teria sido dado aos seres vivos por desígnios providencias?
“As criaturas são
instrumentos de que Deus se serve para chegar aos fins que objetiva. Para se
alimentarem, os seres vivos reciprocamente se destroem, destruição esta que obedece a um duplo fim:
manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, e utilização dos
despojos do invólucro exterior que sofre a destruição. Esse invólucro é simples
acessório e não a parte essencial do ser pensante. A parte essencial é o princípio inteligente, que
não se pode destruir e se elabora nas metamorfoses diversas por que passa.”
729. Se a regeneração dos
seres faz necessária a destruição, por que os cerca a Natureza de meios de
preservação e conservação?
“A fim de que a destruição
não se dê antes de tempo. Toda destruição antecipada obsta ao desenvolvimento do
princípio inteligente. Por isso foi que Deus fez que cada ser experimentasse a necessidade
de viver e de se reproduzir.”
730. Uma vez que a morte
nos faz passar a uma vida melhor, nos livra dos males desta, sendo, pois, mais
de desejar do que de temer, por que lhe tem o homem, instintivamente, tal
horror, que ela lhe é sempre motivo de apreensão?
“Já dissemos que o homem
deve procurar prolongar a vida, para cumprir a sua tarefa. Tal o motivo por que
Deus lhe deu o instinto de conservação, instinto que o sustenta nas provas. A não ser assim,
ele muito freqüentemente se entregaria ao desânimo. A voz íntima, que o induz a
repelir a morte, lhe diz que ainda pode realizar alguma coisa pelo seu progresso. A ameaça de um
perigo constitui aviso, para que se aproveite da dilação que Deus lhe concede. Mas,
ingrato, o homem rende graças mais vezes à sua estrela do que ao seu Criador.”
731. Por que, ao lado dos
meios de conservação, colocou a Natureza os agentes de destruição?
“É o remédio ao lado do mal.
Já dissemos: para manter o equilíbrio e servir de contrapeso.”
732. Será idêntica, em
todos os mundos, a necessidade de destruição?
“Guarda proporções com o
estado mais ou menos material dos mundos. Cessa, quando o físico e o moral se
acham mais depurados. Muito diversas são as condições de existência nos mundos mais
adiantados do que o vosso.”
733. Entre os homens da
Terra existirá sempre a necessidade da destruição?
“Essa necessidade se
enfraquece no homem, à medida que o Espírito sobrepuja a matéria. Assim é que, como podeis observar, o
horror à destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral.”
734. Em seu estado atual,
tem o homem direito ilimitado de destruição sobre os animais?
“Tal direito se acha
regulado pela necessidade, que ele tem, de prover ao seu sustento e à sua segurança.
O abuso jamais constitui direito.”
735. Que se deve pensar
da destruição, quando ultrapassa os limites que as necessidades e a
segurança traçam? Da caça, por exemplo, quando não objetiva senão o prazer de destruir sem
utilidade?
“Predominância da
bestialidade sobre a natureza espiritual. Toda destruição que excede os limites da
necessidade é uma violação da lei de Deus. Os animais só destroem para satisfação de suas
necessidades; enquanto que o homem, dotado de livre-arbítrio, destrói sem necessidade.
Terá que prestar contas do abuso da liberdade que lhe foi concedida, pois isso
significa que cede aos maus instintos.”
736. Especial merecimento
terão os povos que levam ao excesso o escrúpulo, quanto à destruição dos
animais?
“Esse excesso, no tocante a
um sentimento louvável em si mesmo, se torna abusivo e o seu merecimento fica
neutralizado por abusos de muitas outras espécies. Entre tais povos, há mais temor
supersticioso do que verdadeira bondade.”
Flagelos destruidores
737. Com que fim fere
Deus a Humanidade por meio de flagelos destruidores?
“Para fazê-la progredir mais
depressa. Já não dissemos ser a destruição uma necessidade para a
regeneração moral dos Espíritos, que, em cada nova existência, sobem um degrau na escala do
aperfeiçoamento? Preciso é que se veja o objetivo,
para que os resultados possam ser apreciados. Somente do vosso ponto de vista pessoal os
apreciais; daí vem que os qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo que vos causam.
Essas subversões, porém, são freqüentemente necessárias para que mais pronto se dê o
advento de uma melhor ordem de coisas e para que se realize em alguns anos o que teria
exigido muitos séculos.” (744)
738. Para conseguir a
melhora da Humanidade, não podia Deus empregar outros meios que não os flagelos
destruidores?
“Pode e os emprega todos os
dias, pois que deu a cada um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e
do mal. O homem, porém, não se aproveita desses meios. Necessário, portanto, se
torna que seja castigado no seu orgulho e que se lhe faça sentir a sua fraqueza.”
a) - Mas, nesses
flagelos, tanto sucumbe o homem de bem como o perverso. Será justo isso?
“Durante a vida, o homem
tudo refere ao seu corpo; entretanto, de maneira diversa pensa depois da morte. Ora,
conforme temos dito, a vida do corpo bem pouca coisa é. Um século no vosso mundo não
passa de um relâmpago na eternidade. Logo, nada são os sofrimentos de alguns dias
ou de alguns meses, de que tanto vos queixais. Representam um ensino que se vos dá e que
vos servirá no futuro. Os Espíritos, que preexistem e sobrevivem a tudo, formam o mundo real
(85). Esses os filhos de Deus e o objeto de toda a Sua solicitude. Os corpos são
meros disfarces com que eles aparecem no mundo. Por ocasião das grandes calamidades que
dizimam os homens, o espetáculo é semelhante ao de um exército cujos soldados,
durante a guerra, ficassem com seus uniformes estragados, rotos, ou perdidos. O general se
preocupa mais com seus soldados do que com os uniformes deles.”
b) - Mas, nem por isso as
vítimas desses flagelos deixam de o ser.
“Se considerásseis a vida
qual ela é e quão pouca coisa representa com relação ao infinito, menos importância
lhe daríeis. Em outra vida, essas vítimas acharão ampla compensação aos seus
sofrimentos, se souberem suportá-los sem murmurar.”
Venha por um flagelo a
morte, ou por uma causa comum, ninguém deixa por isso de morrer, desde que haja soado
a hora da partida. A única diferença, em caso de flagelo, é que maior número parte ao mesmo
tempo.
Se, pelo pensamento,
pudéssemos elevar-nos de maneira a dominar a Humanidade e abrangê-la em seu conjunto,
esses tão terríveis flagelos não nos pareceriam mais do que passageiras tempestades no
destino do mundo.
739. Têm os flagelos
destruidores utilidade, do ponto de vista físico, não obstante os males que ocasionam?
“Têm. Muitas vezes mudam as
condições de uma região. Mas, o bem que deles resulta só as gerações
vindouras o experimentam.”
740. Não serão os
flagelos, igualmente, provas morais para o homem, por porem-no a braços com as mais
aflitivas necessidades?
“Os flagelos são provas que
dão ao homem ocasião de exercitar a sua inteligência, de demonstrar sua paciência
e resignação ante a vontade de Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus
sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, se o não domina o egoísmo.”
741. Dado é ao homem
conjurar os flagelos que o afligem?
“Em parte, é; não, porém,
como geralmente o entendem. Muitos flagelos resultam da imprevidência do homem. À
medida que adquire conhecimentos e experiência, ele os vai podendo conjurar, isto é,
prevenir, se lhes sabe pesquisar as causas. Contudo, entre os males que afligem a Humanidade,
alguns há de caráter geral, que estão nos decretos da Providência e dos quais cada
indivíduo recebe, mais ou menos, o
contragolpe. A esses nada pode o homem opor, a não ser sua submissão à vontade de Deus.
Esses mesmos males, entretanto, ele muitas vezes os agrava pela sua negligência.”
Na primeira linha dos
flagelos destruidores, naturais e independentes do homem, devem ser colocados a peste,
a fome, as inundações, as intempéries fatais às produções da terra. Não tem, porém, o
homem encontrado na Ciência, nas obras de arte, no aperfeiçoamento da
agricultura, nos afolhamentos e nas irrigações, no estudo das condições higiênicas, meios de
impedir, ou, quando menos, de atenuar muitos desastres? Certas regiões, outrora assoladas
por terríveis flagelos, não estão hoje preservadas deles? Que não fará, portanto, o homem pelo
seu bem-estar material, quando souber aproveitar-se de todos os recursos da sua
inteligência e quando aos cuidados da sua conservação pessoal, souber aliar o sentimento de
verdadeira caridade para com os seus semelhantes? (707)
Guerras
742. Que é que impele o
homem à guerra?
“Predominância da natureza
animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de
barbaria, os povos um só direito conhecem - o do mais forte. Por isso é que, para tais povos,
o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos freqüente se
torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente
necessária.”
743. Da face da Terra,
algum dia, a guerra desaparecerá?
“Sim, quando os homens
compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão
irmãos.”
744. Que objetivou a
Providência, tornando necessária a guerra?
“A liberdade e o progresso.”
a) - Desde que a guerra
deve ter por efeito produzir o advento da liberdade, como pode freqüentemente ter
por objetivo e resultado a escravização?
“Escravização temporária,
para esmagar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.”
745. Que se deve pensar
daquele que suscita a guerra para proveito seu?
“Grande culpado é esse e
muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja
sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para
satisfazer à sua ambição.”
Assassínio
746. É crime aos olhos de
Deus o assassínio?
“Grande crime, pois que
aquele que tira a vida ao seu semelhante corta o fio de uma existência de expiação ou
de missão. Aí é que está o mal.”
747. É sempre do mesmo
grau a culpabilidade em todos os casos de assassínio?
“Já o temos dito: Deus é
justo, julga mais pela intenção do que pelo fato.”
748. Em caso de legítima
defesa, escusa Deus o assassínio?
“Só a necessidade o pode
escusar. Mas, desde que o agredido possa preservar sua vida, sem atentar contra a
de seu agressor, deve fazê-lo.”
749. Tem o homem culpa
dos assassínios que pratica durante a guerra?
“Não, quando constrangido
pela força; mas é culpado das crueldades que cometa, sendo-lhe também levado em
conta o sentimento de humanidade com que proceda.”
750. Qual o mais
condenável aos olhos de Deus, o parricídio ou o infanticídio?
“Ambos o são igualmente,
porque todo crime é um crime.”
751. Como se explica que
entre alguns povos, já adiantados sob o ponto de vista intelectual, o
infanticídio seja um costume e esteja consagrado pela legislação?
“O desenvolvimento
intelectual não implica a necessidade do bem. Um Espírito, superior em inteligência,
pode ser mau. Isso se dá com aquele que muito tem vivido sem se melhorar: apenas sabe.”
Crueldade
752. Poder-se-á ligar o
sentimento de crueldade ao instinto de destruição?
“É o instinto de destruição
no que tem de pior, porquanto, se, algumas vezes, a destruição constitui uma
necessidade, com a crueldade jamais se dá o mesmo. Ela resulta sempre de uma natureza má.”
753. Por que razão a
crueldade forma o caráter predominante dos povos primitivos?
“Nos povos primitivos, como
lhes chamas, a matéria prepondera sobre o Espírito. Eles se entregam aos
instintos do bruto e, como não experimentam outras necessidades além das da vida do corpo,
só da conservação pessoal cogitam e é o que os torna, em geral, cruéis. Demais, os povos de
imperfeito desenvolvimento se conservam sob o império de Espíritos também
imperfeitos, que lhes são simpáticos, até que povos mais adiantados venham destruir ou
enfraquecer essa influência.”
754. A crueldade não
derivará da carência de senso moral?
“Dize - da falta de
desenvolvimento do senso moral; não digas da carência, porquanto o senso moral
existe, como princípio, em todos os homens. É esse senso moral que dos seres cruéis fará
mais tarde seres bons e humanos. Ele, pois, existe no
selvagem, mas como o princípio do perfume no gérmen da flor que ainda não desabrochou.”
Em estado rudimentar ou
latente, todas as faculdades existem no homem.Desenvolvem-se, conforme
lhes sejam mais ou menos favoráveis as circunstâncias. O desenvolvimento excessivo de
uma detém ou neutraliza o das outras. A sobreexcitação dos instintos materiais abafa,
por assim dizer, o senso moral, como o desenvolvimento do senso moral enfraquece pouco a
pouco as faculdades puramente animais.
755. Como pode dar-se
que, no seio da mais adiantada civilização, se encontrem seres às vezes cruéis
quanto os selvagens?
“Do mesmo modo que numa
árvore carregada de bons frutos se encontram verdadeiros abortos. São, se
quiseres, selvagens que da civilização só têm o exterior, lobos extraviados em meio de
cordeiros. Espíritos de ordem inferior e muito atrasados podem encarnar entre homens
adiantados, na esperança de também se adiantarem, Mas, desde que a prova é por demais pesada,
predomina a natureza primitiva.”
756. A sociedade dos
homens de bem se verá algum dia expurgada dos seres malfazejos?
“A Humanidade progride.
Esses homens, em quem o instinto do mal domina e que se acham deslocados entre
pessoas de bem, desaparecerão gradualmente, como o mau grão se separa do bom, quando
este é joeirado. Mas, desaparecerão para renascer sob outros invólucros. Como então terão
mais experiência, compreenderão melhor o bem e o mal. Tens disso um exemplo nas
plantas e nos animais que o homem há conseguido aperfeiçoar, desenvolvendo neles
qualidades novas. Pois bem, só ao cabo de muitas gerações o desenvolvimento se torna
completo. É a imagem das diversas existências do homem.”
Duelo
757. Pode-se considerar o
duelo como um caso de legítima defesa?
“Não; é um assassínio e um
costume absurdo, digno dos bárbaros. Com uma civilização mais adiantada e
mais moral, o homem compreenderá que o duelo é tão ridículo quanto os combates que
outrora se consideravam como o juízo de Deus.”
758. Poder-se-á
considerar o duelo como um assassínio por parte daquele que, conhecendo a sua própria
fraqueza, tem a quase certeza de que sucumbirá?
“É um suicídio.”
a) - E quando as
probabilidades são as mesmas para ambos os duelistas, haverá assassínio ou suicídio?
“Um e outro.”
Em todos os casos, mesmo
quando as probabilidades são idênticas para ambos os combatentes, o duelista
incorre em culpa, primeiro, porque atenta friamente e de propósito deliberado contra a vida de
seu semelhante; depois, porque expõe inutilmente a sua própria vida, sem proveito para
ninguém.”
759. Que valor tem o que
se chama ponto de honra, em matéria de duelo?
“Orgulho e vaidade: dupla
chaga da Humanidade.”
a) - Mas, não há casos em
que a honra se acha verdadeiramente empenhada e em que uma recusa fora
covardia?
“Isso depende dos usos e
costumes. Cada país e cada século tem a esse respeito um modo de ver diferente.
Quando os homens forem melhores e estiverem mais adiantados em moral, compreenderão que o
verdadeiro ponto de honra está acima das paixões terrenas e que não é matando, nem se
deixando matar, que repararão agravos.”
Há mais grandeza e
verdadeira honra em confessar-se culpado o homem, se cometeu falta, ou em perdoar, se de
seu lado esteja a razão, e, qualquer que seja o caso, em desprezar os insultos, que o não podem
atingir.
Pena de morte
760. Desaparecerá algum
dia, da legislação humana, a pena de morte?
“Incontestavelmente
desaparecerá e a sua supressão assinalará um progresso da Humanidade. Quando os homens
estiverem mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida na
Terra. Não mais precisarão os homens de ser julgados pelos homens. Refiro-me a uma
época ainda muito distante de vós.”
Sem dúvida, o progresso
social ainda muito deixa a desejar. Mas, seria injusto para com a sociedade moderna quem
não visse um progresso nas restrições postas à pena de morte, no seio dos povos
mais adiantados, e à natureza dos crimes a que a sua aplicação se acha limitada. Se
compararmos as garantias de que, entre esses mesmos povos, a justiça procura cercar o acusado, a
humanidade de que usa para com ele, mesmo quando o reconhece culpado, com o que
se praticava em tempos que ainda não vão muito longe, não poderemos negar o avanço do
gênero humano na senda do progresso.
761. A lei de conservação
dá ao homem o direito de preservar sua vida. Não usará ele desse direito, quando
elimina da sociedade um membro perigoso?
“Há outros meios de ele se
preservar do perigo, que não matando. Demais, é preciso abrir e não fechar ao
criminoso a porta do arrependimento.”
762. A pena de morte, que
pode vir a ser banida das sociedades civilizadas, não terá sido de necessidade
em épocas menos adiantadas?
“Necessidade não é o termo.
O homem julga necessária uma coisa, sempre que não descobre outra melhor. À
proporção que se instrui, vai compreendendo melhormente o que é justo e o que é injusto e
repudia os excessos cometidos, nos tempos de ignorância, em nome da justiça.”
763. Será um indício de
progresso da civilização a restrição dos casos em que se aplica a pena de morte?
“Podes duvidar disso? Não se
revolta o teu Espírito, quando lês a narrativa das carnificinas humanas que
outrora se faziam em nome da justiça e, não raro, em honra da Divindade; das torturas que
se infligiam ao condenado e até ao simples acusado, para lhe arrancar, pela agudeza do
sofrimento, a confissão de um crime que muitas vezes não cometera? Pois bem! Se
houvesses vivido nessas épocas, terias achado tudo isso natural e talvez mesmo, se foras juiz,
fizesses outro tanto. Assim é que o que pareceu justo, numa época, parece bárbaro em
outra. Só as leis divinas são eternas; as humanas mudam com o progresso e continuarão a
mudar, até que tenham sido postas de acordo com aquelas.”
764. Disse Jesus: Quem
matou com a espada, pela espada perecerá. Estas palavras não consagram a pena de
talião e, assim a morte dada ao assassino não constitui uma aplicação dessa pena?
“Tomai cuidado! Muito vos
tendes enganado a respeito dessas palavras, como acerca de outras. A
pena de talião é a justiça de Deus. É Deus quem a aplica. Todos vós sofreis essa pena a cada
instante, pois que sois punidos naquilo em que haveis pecado, nesta existência ou em outra.
Aquele que foi causa do sofrimento para seus semelhantes virá a achar-se numa condição em
que sofrerá o que tenha feito sofrer. Este o sentido das palavras de Jesus. Mas, não vos disse
ele também: Perdoai aos vossos inimigos? E não vos ensinou a pedir a Deus que vos perdoe
as ofensas como houverdes vós mesmos perdoado, isto é, na mesma proporção em
que houverdes perdoado, compreendei-o bem?”
765. Que se deve pensar
da pena de morte imposta em nome de Deus?
“É tomar o homem o lugar de
Deus na distribuição da justiça. Os que assim procedem mostram quão longe
estão de compreender Deus e que muito ainda têm que expiar. A pena de morte é um
crime, quando aplicada em nome de Deus, e os que a impõem se sobrecarregam de outros
tantos assassínios.”