CAPÍTULO VII
DA LEI DE SOCIEDADE
1. Necessidade da vida social. - 2. Vida de insulamento. Voto de
silêncio. - 3. Laços de família.
Necessidade da vida
social
766. A vida social está
em a Natureza?
“Certamente. Deus fez o
homem para viver em sociedade. Não lhe deu inutilmente a palavra e todas as outras
faculdades necessárias à vida de relação.”
767. É contrário à lei da
Natureza o insulamento absoluto?
“Sem dúvida, pois que por
instinto os homens buscam a sociedade e todos devem concorrer para o progresso,
auxiliando-se mutuamente.”
768. Procurando a
sociedade, não fará o homem mais do que obedecer a um sentimento pessoal, ou há
nesse sentimento algum providencial objetivo de ordem mais geral?
“O homem tem que progredir.
Insulado, não lhe é isso possível, por não dispor de todas as faculdades.
Falta-lhe o contacto com os outros homens. No insulamento, ele se embrutece e estiola.”
Homem nenhum possui
faculdades completas. Mediante a união social é que elas umas às outras se completam,
para lhe assegurarem o bem-estar e o progresso. Por isso é que, precisando uns dos
outros, os homens foram feitos para viver em sociedade e não insulados.
Vida de insulamento. Voto
de silêncio
769. Concebe-se que, como
princípio geral, a vida social esteja na Natureza. Mas, uma vez que também todos
os gostos estão na Natureza, por que será condenável o do insulamento absoluto,
desde que cause satisfação ao homem?
“Satisfação egoísta. Também
há homens que experimentam satisfação na embriaguez. Merece-te isso
aprovação? Não pode agradar a Deus uma vida pela qual o homem se condena a não ser
útil a ninguém.”
770. Que se deve pensar
dos que vivem em absoluta reclusão, fugindo ao pernicioso contacto do mundo?
“Duplo egoísmo.”
a) - Mas, não será
meritório esse retraimento se tiver por fim uma expiação, impondo-se aquele que o
busca uma privação penosa?
“Fazer maior soma de bem do
que de mal constitui a melhor expiação. Evitando um mal, aquele que por tal
motivo se insula cai noutro, pois esquece a lei de amor e de caridade.”
771. Que pensar dos que
fogem do mundo para se votarem ao mister de socorrer os desgraçados?
“Esses se elevam,
rebaixando-se. Têm o duplo mérito de se colocarem acima dos gozos materiais e de fazerem
o bem, obedecendo à lei do trabalho.”
a) - E dos que buscam no
retiro a tranqüilidade que certos trabalhos reclamam?
“Isso não é retraimento
absoluto do egoísta. Esses não se insulam da sociedade, porquanto para ela
trabalham.”
772. Que pensar do voto
de silêncio prescrito por algumas seitas, desde a mais remota antigüidade?
“Perguntai, antes, a vós
mesmos se a palavra é faculdade natural e por que Deus a concedeu ao homem. Deus
condena o abuso e não o uso das faculdades que lhe outorgou. Entretanto, o silêncio é
útil, pois no silêncio pões em prática o
recolhimento; teu espírito se torna mais livre e pode entrar em comunicação conosco. Mas o
voto de silêncio é uma tolice. Sem dúvida obedecem a boa intenção os que consideram
essas privações como atos de virtude. Enganam-se, no entanto, porque não compreendem
suficientemente as verdadeiras leis de Deus.”
O voto de silêncio absoluto,
do mesmo modo que o voto de insulamento, priva o homem das relações sociais
que lhe podem facultar ocasiões de fazer o bem e de cumprir a lei do progresso.
Laços de família
773. Por que é que, entre
os animais, os pais e os filhos deixam de reconhecer-se, desde que estes não mais
precisam de cuidados?
“Os animais vivem vida
material e não vida moral. A ternura da mãe pelos filhos tem por princípio o instinto
de conservação dos seres que ela deu à luz. Logo que esses seres podem cuidar de si
mesmos, está ela com a sua tarefa concluída; nada mais lhe exige a Natureza. Por isso é que os
abandona, a fim de se ocupar com os recém-vindos.”
774. Há pessoas que, do
fato de os animais ao cabo de certo tempo abandonarem suas crias, deduzem não
serem os laços de família, entre os homens, mais do que resultado dos costumes sociais e
não efeito de uma lei da Natureza. Que devemos pensar a esse respeito?
“Diverso do dos animais é o
destino do homem. Por que, então, quererem identificá-lo com estes? Há no homem
alguma coisa mais, além das necessidades físicas: há a necessidade de progredir. Os
laços sociais são necessários ao progresso e os de família mais apertados tornam os
primeiros. Eis por que os segundos constituem uma lei da Natureza.
Quis Deus que, por essa
forma, os homens aprendessem a amar-se como irmãos.” (205)
775. Qual seria, para a
sociedade, o resultado do relaxamento dos laços de família?
“Uma recrudescência do
egoísmo.”
CAPÍTULO VIII
DA LEI DO PROGRESSO
1. Estado de natureza. -
2. Marcha do progresso. - 3. Povos degenerados. - 4. Civilização. - 5. Progresso da
legislação humana. - 6. Influência do Espiritismo no progresso.
Estado da natureza
776. Serão coisas
idênticas o estado de natureza e a lei natural?
“Não, o estado de natureza é
o estado primitivo. A civilização é incompatível com o estado de natureza, ao passo
que a lei natural contribui para o progresso da Humanidade.”
O estado de natureza é a
infância da Humanidade e o ponto de partida do seu desenvolvimento intelectual
e moral. Sendo perfectível e trazendo em si o gérmen do seu aperfeiçoamento, o homem não
foi destinado a viver perpetuamente no estado de natureza, como não o foi a viver
eternamente na infância. Aquele estado é transitório para o homem, que dele sai por virtude do
progresso e da civilização. A lei natural, ao contrário, rege a Humanidade inteira e o homem
se melhora à medida que melhor a compreende e pratica.
777. Tendo o homem, no
estado de natureza, menos necessidades, isento se acha das tribulações que para
si mesmo cria, quando num estado de maior adiantamento. Diante disso, que se deve
pensar da opinião dos que consideram aquele estado
como o da mais perfeita felicidade na Terra?
“Que queres! É a felicidade
do bruto. Há pessoas que não compreendem outra. É ser feliz à maneira dos animais.
As crianças também são mais felizes do que os homens feitos.”
778. Pode o homem
retrogradar para o estado de natureza?
“Não, o homem tem que
progredir incessantemente e não pode volver ao estado de infância. Desde que
progride, é porque Deus assim o quer. Pensar que possa retrogradar à sua primitiva condição fora
negar a lei do progresso.”
Marcha do progresso
779. A força para
progredir, haure-a o homem em si mesmo, ou o progresso é apenas fruto de um
ensinamento?
“O homem se desenvolve por
si mesmo, naturalmente. Mas, nem todos progridem simultaneamente e do mesmo
modo. Dá-se então que os mais adiantados auxiliam o progresso dos outros, por
meio do contacto social.”
780. O progresso moral
acompanha sempre o progresso intelectual?
“Decorre deste, mas nem
sempre o segue imediatamente.” (192-365)
a) - Como pode o
progresso intelectual engendrar o progresso moral?
“Fazendo compreensíveis o
bem e o mal. O homem, desde então, pode escolher. O desenvolvimento do
livre-arbítrio acompanha o da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos.”
b) - Como é, nesse caso,
que, muitas vezes, sucede serem os povos mais instruídos os mais pervertidos
também?
“O progresso completo
constitui o objetivo. Os povos, porém, como os indivíduos, só passo a passo o atingem.
Enquanto não se lhes haja desenvolvido o senso moral, pode mesmo acontecer que se
sirvam da inteligência para a prática do mal. O moral e a inteligência são duas forças
que só com o tempo chegam a equilibrar-se.” (365-751)
781. Tem o homem o poder
de paralisar a marcha do progresso?
“Não, mas tem, às vezes, o
de embaraçá-la.”
a) - Que se deve pensar
dos que tentam deter a marcha do progresso e fazer que a Humanidade retrograde?
“Pobres seres, que Deus
castigará! Serão levados de roldão pela torrente que procuram deter.”
Sendo o progresso uma
condição da natureza humana, não está no poder do homem opor-se-lhe. É uma força
viva, cuja ação pode ser retardada, porém não anulada, por leis humanas más. Quando estas se
tornam incompatíveis com ele, despedaça-as juntamente com os que se esforcem por
mantê-las. Assim será, até que o homem tenha posto suas leis em concordância com a
justiça divina, que quer que todos participem do bem e não a vigência de leis feitas pelo
forte em detrimento do fraco.
782. Não há homens que de
boa-fé obstam ao progresso, acreditando favorecê-lo, porque, do ponto de vista
em que se colocam, o vêem onde ele não existe?
“Assemelham-se a pequeninas
pedras que, colocadas debaixo da roda de uma grande viatura, não a
impedem de avançar.”
783. Segue sempre marcha
progressiva e lenta o aperfeiçoamento da Humanidade?
“Há o progresso regular e
lento, que resulta da força das coisas. Quando, porém, um povo não progride tão
depressa quanto devera, Deus o sujeita, de tempos a tempos, a um abalo físico ou moral que o
transforma.”
O homem não pode
conservar-se indefinidamente na ignorância, porque tem de atingir a finalidade que a
Providência lhe assinou. Ele se instrui pela força das coisas. As revoluções morais, como as
revoluções sociais, se infiltram nas idéias pouco a pouco; germinam durante séculos;
depois, irrompem subitamente e produzem o desmoronamento do carunchoso edifício do
passado, que deixou de estar em harmonia com as necessidades novas e com as novas
aspirações.
Nessas comoções, o homem
quase nunca percebe senão a desordem e a confusão momentâneas que o ferem nos
seus interesses materiais. Aquele, porém, que eleva o pensamento acima da sua
própria personalidade, admira os desígnios da Providência, que do mal faz sair o bem. São a
procela, a tempestade que saneiam a atmosfera, depois de a terem agitado violentamente.
784. Bastante grande é a
perversidade do homem. Não parece que, pelo menos do ponto de vista moral,
ele, em vez de avançar, caminha aos recuos?
“Enganas-te. Observa bem o
conjunto e verás que o homem se adianta, pois que melhor compreende o que é
mal, e vai dia a dia reprimindo os abusos. Faz-se mister que o mal chegue ao excesso, para
tornar compreensível a necessidade do bem e das reformas.”
785. Qual o maior
obstáculo ao progresso?
“O orgulho e o egoísmo.
Refiro-me ao progresso moral, porquanto o intelectual se efetua sempre. À primeira
vista, parece mesmo que o progresso intelectual reduplica a atividade daqueles vícios,
desenvolvendo a ambição e o gosto das riquezas, que, a seu turno, incitam o homem a
empreender pesquisas que lhe esclarecem o Espírito. Assim é que tudo se prende, no mundo
moral, como no mundo físico, e que do próprio mal pode nascer o bem. Curta, porém, é a
duração desse estado de coisas, que mudará à proporção que o homem compreender melhor
que, além da que o gozo dos bens terrenos proporciona, uma felicidade existe maior e
infinitamente mais duradoura.” (Vide: Egoísmo, cap. XII.)
Há duas espécies de
progresso, que uma a outra se prestam mútuo apoio, mas que, no entanto, não marcham lado
a lado: o progresso intelectual e o progresso moral. Entre os povos civilizados, o
primeiro tem recebido, no correr deste século, todos os incentivos. Por isso mesmo atingiu um grau a
que ainda não chegara antes da época atual. Muito falta para que o segundo se ache no
mesmo nível. Entretanto, comparando-se os costumes sociais de hoje com os de alguns
séculos atrás, só um cego negaria o progresso realizado. Ora, sendo assim, por que haveria essa
marcha ascendente de parar, com relação, de preferência, ao moral, do que com relação ao
intelectual? Por que será impossível que entre o dezenove e o vigésimo quarto século haja,
a esse respeito, tanta diferença quanta entre o décimo quarto século e o século dezenove?
Duvidar fora pretender que a Humanidade está no apogeu da perfeição, o que seria
absurdo, ou que ela não é perfectível moralmente, o que a experiência desmente.
Povos degenerados
786. Mostra-nos a
História que muitos povos, depois de abalos que os revolveram profundamente, recaíram
na barbaria. Onde, neste caso, o progresso?
“Quando tua casa ameaça
ruína, mandas demoli-la e constróis outra mais sólida e mais cômoda. Mas, enquanto
esta não se apronta, há perturbação e confusão na tua morada.
“Compreende mais o seguinte:
eras pobre e habitavas um casebre; tornando-te rico, deixaste-o para habitar um
palácio. Então, um pobre diabo, como eras antes, vem tomar o lugar que ocupavas e fica
muito contente, porque estava sem ter onde se abrigar. Pois bem! Aprende que os Espíritos
que, encarnados, constituem o povo degenerado não são os que o constituíam ao tempo do seu
esplendor. Os de então, tendo-se adiantado, passaram para habitações mais perfeitas e
progrediram, enquanto os outros, menos adiantados, tomaram o lugar que ficara vago e que
também, a seu turno, terão um dia que deixar.”
787. Não há raças
rebeldes, por sua natureza, ao progresso?
“Há, mas vão aniquilando-se
corporalmente, todos os dias.”
a) - Qual será a sorte
futura das almas que animam essas raças?
“Chegarão, como todas as
demais, à perfeição, passando por outras existências. Deus a ninguém deserda.”
b) - Assim, pode dar-se
que os homens mais civilizados tenham sido selvagens e antropófagos?
“Tu mesmo o foste mais de
uma vez, antes de seres o que és.”
788. Os povos são
individualidades coletivas que como os indivíduos, passam pela infância, pela idade da
madureza e pela decrepitude. Esta verdade, que a História comprova, não será de
molde a fazer supor que os povos mais adiantados deste século terão seu declínio e sua
extinção, como os da antigüidade?
“Os povos, que apenas vivem
a vida do corpo, aqueles cuja grandeza unicamente assenta na força e na
extensão territorial, nascem, crescem e morrem, porque a força de um povo se exaure, como a de um
homem. Aqueles, cujas leis egoísticas obstam ao progresso das luzes e da caridade,
morrem, porque a luz mata as trevas e a caridade mata o egoísmo. Mas, para os povos, como
para os indivíduos, há a vida da alma. Aqueles, cujas leis se harmonizam com as leis
eternas do Criador, viverão e servirão de farol aos outros povos.”
789. O progresso fará que
todos os povos da Terra se achem um dia reunidos, formando uma só nação?
“Uma nação única, não; seria
impossível, visto que da diversidade dos climas se originam costumes e
necessidades diferentes, que constituem as nacionalidades, tornando indispensáveis sempre leis
apropriadas a esses costumes e necessidades. A caridade, porém, desconhece latitudes e não
distingue a cor dos homens. Quando, por toda parte, a lei de Deus servir de base à lei
humana, os povos praticarão entre si a caridade, como os indivíduos. Então, viverão felizes e em paz,
porque nenhum cuidará de causar dano ao seu vizinho, nem de viver a expensas dele.”
A Humanidade progride, por
meio dos indivíduos que pouco a pouco se melhoram e instruem. Quando estes
preponderam pelo número, tomam a dianteira e arrastam os outros. De tempos a tempos, surgem
no seio dela homens de gênio que lhe dão um impulso; vêm depois, como instrumentos de
Deus, os que têm autoridade e, nalguns anos fazem-na adiantar-se de muitos
séculos.
O progresso dos povos também
realça a justiça da reencarnação. Louváveis esforços empregam os homens de bem
para conseguir que uma nação se adiante, moral e intelectualmente.
Transformada, a nação será mais ditosa neste mundo e no outro, concebe-se. Mas, durante a sua marcha
lenta através dos séculos, milhares de indivíduos morrem todos os dias. Qual a sorte
de todos os que sucumbem ao longo do trajeto? Privá-los-á, a sua relativa inferioridade
da felicidade reservada aos que chegam por último? Ou também relativa será a felicidade
que lhes cabe? Não é possível que a justiça divina haja consagrado semelhante injustiça. Com a
pluralidade das existências, é igual para todos o direito à felicidade, porque ninguém
fica privado do progresso. Podendo, os que viveram ao tempo da barbaria, voltar, na
época da civilização, a viver no seio do mesmo povo, ou de outro, é claro que todos tiram
proveito da marcha ascensional.
Outra dificuldade, no
entanto, apresenta aqui o sistema da unicidade das existências. Segundo este sistema, a alma
é criada no momento em que nasce o ser humano. Então, se um homem é mais adiantado do
que outro, é que Deus criou para ele uma alma mais adiantada. Por que esse
favor? Que merecimento tem esse homem, que não viveu mais do que outro, que talvez haja
vivido menos, para ser dotado de uma alma superior? Esta, porém, não é a dificuldade
principal. Se os homens vivessem um milênio, conceber-se-ia que, nesse período milenar,
tivessem tempo de progredir. Mas, diariamente morrem criaturas em todas as
idades; incessantemente se renovam na face do planeta, de tal sorte que todos os dias aparece
uma multidão delas e outra desaparece. Ao cabo de mil anos, já não há naquela nação
vestígio de seus antigos habitantes. Contudo, de bárbara, que era, ela se tornou policiada. Que foi
o que progrediu? Foram os indivíduos outrora bárbaros? Mas, esses morreram há muito
tempo. Teriam sido os recém-chegados? Mas, se suas almas foram criadas no
momento em que eles nasceram, essas almas não existiam na época da barbaria e forçoso será
então admitir-se que os esforços que se despendem para civilizar um povo têm o poder, não
de melhorar almas imperfeitas, porém de fazer que Deus crie almas mais perfeitas.
Comparemos esta teoria do
progresso com a que os Espíritos apresentaram. As almas vindas no tempo da
civilização tiveram sua infância, como todas as outras, mas já tinham vivido antes e
vêm adiantadas por efeito do progresso realizado anteriormente. Vêm atraídas por meio que lhes é
simpático e que se acha em relação com o estado em que atualmente se encontram. De
sorte que, os cuidados dispensados à civilização de um povo não têm como conseqüência
fazer que, de futuro, se criem almas mais perfeitas; têm sim, o de atrair as que já
progrediram, quer tenham vivido no seio do povo que se figura, ao tempo da sua barbaria, quer venham
de outra parte. Aqui se nos depara igualmente a chave do progresso da Humanidade
inteira. Quando todos os povos estiverem no mesmo nível, no tocante ao sentimento do
bem, a Terra será ponto de reunião exclusivamente de bons Espíritos, que viverão
fraternalmente unidos. Os maus, sentindo-se aí repelidos e deslocados, irão procurar,
em mundos inferiores, o meio que lhes convém, até que sejam dignos de volver ao nosso,
então transformado. Da teoria vulgar ainda resulta que os trabalhos de melhoria social
só às gerações presentes e futuras aproveitam, sendo de resultados nulos para as
gerações passadas, que cometeram o erro de vir muito cedo e que ficam sendo o que podem ser,
sobrecarregadas com o peso de seus atos de barbaria.
Segundo a doutrina dos
Espíritos, os progressos ulteriores aproveitam igualmente às gerações pretéritas, que
voltam a viver em melhores condições e podem assim aperfeiçoar-se no foco da civilização.
(222)
Civilização
790. É um progresso a
civilização ou, como o entendem alguns filósofos, uma decadência da Humanidade?
“Progresso incompleto. O
homem não passa subitamente da infância à madureza.”
a) - Será racional
condenar-se a civilização?
“Condenai antes os que dela
abusam e não a obra de Deus.”
791. Apurar-se-á algum
dia a civilização, de modo a fazer que desapareçam os males que haja produzido?
“Sim, quando o moral estiver
tão desenvolvido quanto a inteligência. O fruto não pode surgir antes da flor.”
792. Por que não efetua a
civilização, imediatamente, todo o bem que poderia produzir?
“Porque os homens ainda não
estão aptos nem dispostos a alcançá-lo.”
a) - Não será também
porque, criando novas necessidades, suscita paixões novas?
“É, e ainda porque não
progridem simultaneamente todas as faculdades do Espírito. Tempo é preciso para tudo.
De uma civilização incompleta não podeis esperar frutos perfeitos.” (751-780)
793. Por que indícios se
pode reconhecer uma civilização completa?
“Reconhecê-la-eis pelo
desenvolvimento moral. Credes que estais muito adiantados, porque tendes feito grandes
descobertas e obtido maravilhosas invenções; porque vos alojais e vestis melhor do
que os selvagens. Todavia, não tereis verdadeiramente o direito de dizer-vos civilizados,
senão quando de vossa sociedade houverdes banido os vícios que a desonram e quando viverdes
como irmãos, praticando a caridade cristã. Até então, sereis apenas povos esclarecidos,
que hão percorrido a primeira fase da civilização.”
A civilização, como todas as
coisas, apresenta gradações diversas. Uma civilização incompleta é um estado
transitório, que gera males especiais, desconhecidos do homem no estado primitivo. Nem por
isso, entretanto, constitui menos um progresso natural, necessário, que traz consigo
o remédio para o mal que causa. À medida que a civilização se aperfeiçoa, faz cessar
alguns dos males que gerou, males que desaparecerão todos com o progresso moral.
De duas nações que tenham
chegado ao ápice da escala social, somente pode considerar-se a mais
civilizada, na legítima acepção do termo,
aquela onde exista menos egoísmo, menos cobiça e menos orgulho; onde os hábitos
sejam mais intelectuais e morais do que materiais; onde a inteligência se puder
desenvolver com maior liberdade; onde haja mais bondade, boa-fé, benevolência e generosidade
recíprocas; onde menos enraizados se mostrem os preconceitos de casta e de
nascimento, por isso que tais preconceitos são incompatíveis com o verdadeiro amor do
próximo; onde as leis nenhum privilégio consagrem e sejam as mesmas, assim para o último,
como para o primeiro; onde com menos parcialidade se exerça a justiça; onde o
fraco encontre sempre amparo contra o forte; onde a vida do homem, suas crenças e
opiniões sejam melhormente respeitadas; onde exista menor número de desgraçados; enfim, onde
todo homem de boa-vontade esteja certo de lhe não faltar o necessário.
Progresso da legislação
humana
794. Poderia a sociedade
reger-se unicamente pelas leis naturais, sem o concurso das leis humanas?
“Poderia, se todos as
compreendessem bem. Se os homens as quisessem praticar, elas bastariam. A sociedade,
porém, tem suas exigências. São-lhe necessárias leis especiais.”
795. Qual a causa da
instabilidade das leis humanas?
“Nas épocas de barbaria, são
os mais fortes, que fazem as leis e eles as fizeram para si. À proporção que os
homens foram compreendendo melhor a justiça, indispensável se tornou a modificação delas.
Quanto mais se aproximam da vera justiça, tanto menos instáveis são as leis
humanas, isto é, tanto mais estáveis se vão tornando, conforme vão sendo feitas para todos e se
identificam com a lei natural.”
A civilização criou
necessidades novas para o homem, necessidades relativas à posição social que ele
ocupe. Tem-se então que regular, por meio de leis humanas, os direitos e deveres dessa
posição. Mas, influenciado pelas suas paixões, ele não raro há criado direitos e deveres
imaginários, que a lei natural condena e que os povos riscam de seus códigos à medida que
progridem. A lei natural é imutável e a mesma para todos; a lei humana
é variável e progressiva. Na infância das sociedades, só esta pode consagrar o direito do
mais forte.
796. No estado atual da
sociedade, a severidade das leis penais não constitui uma necessidade?
“Uma sociedade depravada
certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a
punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os
homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”
797. Como poderá o homem
ser levado a reformar suas leis?
“Isso ocorre naturalmente,
pela força mesma das coisas e da influência das pessoas que o guiam na senda do
progresso. Muitas já ele reformou e muitas outras reformará. Espera!”
Influência do Espiritismo
no progresso
798. O Espiritismo se
tornará crença comum, ou ficará sendo partilhado, como crença, apenas por
algumas pessoas?
“Certamente que se tornará
crença geral e marcará nova era na história da humanidade, porque está na
Natureza e chegou o tempo em que ocupará lugar entre os conhecimentos humanos. Terá,
no entanto, que sustentar grandes lutas, mais contra o interesse, do que contra a
convicção, porquanto não há como dissimular a existência de pessoas interessadas em
combatê-lo, umas por amor-próprio, outras por causas inteiramente materiais. Porém, como virão
a ficar insulados, seus contraditores se sentirão forçados a pensar como os demais, sob
pena de se tornarem ridículos.”
As idéias só com o tempo se
transformam; nunca de súbito. De geração em geração, elas se enfraquecem e acabam
por desaparecer, paulatinamente, com os que as professavam, os quais vêm a ser
substituídos por outros indivíduos imbuídos de novos
princípios, como sucede com as idéias políticas. Vede o paganismo. Não há hoje mais
quem professe as idéias religiosas dos tempos pagãos.
Todavia, muitos séculos após
o advento do Cristianismo, delas ainda restavam vestígios, que somente a completa
renovação das raças conseguiu apagar. Assim será com o Espiritismo. Ele progride
muito; mas, durante duas ou três gerações, ainda haverá um fermento de incredulidade,
que unicamente o tempo aniquilará. Sua marcha, porém, será mais célere que a do
Cristianismo, porque o próprio Cristianismo é quem lhe abre o caminho e serve de apoio. O
Cristianismo tinha que destruir; o Espiritismo só tem que edificar.
799. De que maneira pode
o Espiritismo contribuir para o progresso?
“Destruindo o materialismo,
que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se
encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a vida futura de estar velada pela
dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado preparar o seu
futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina aos homens a grande
solidariedade que os há de unir como irmãos.”
800. Não será de temer
que o Espiritismo não consiga triunfar da negligência dos homens e do seu apego às
coisas materiais?
“Conhece bem pouco os homens
quem imagine que uma causa qualquer os possa transformar como que por
encanto. As idéias só pouco a pouco se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que
algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos
hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e progressivamente, se pode
operar. Para cada geração uma parte do véu se dissipa. O Espiritismo vem rasgá-lo de
alto a baixo. Entretanto, conseguisse ele unicamente corrigir num homem um único defeito
que fosse e já o haveria forçado a dar um passo. Ter-lhe-ia feito, só com isso, grande
bem, pois esse primeiro passo lhe facilitará os outros.”
801. Por que não
ensinaram os Espíritos, em todos os tempos, o que ensinam hoje?
“Não ensinais às crianças o
que ensinais aos adultos e não dais ao recém-nascido um alimento que ele não possa
digerir. Cada coisa tem seu tempo. Eles ensinaram muitas coisas que os homens não
compreenderam ou adulteraram, mas que podem compreender agora. Com seus ensinos, embora
incompletos, prepararam o terreno para receber a semente que vai frutificar.”
802. Visto que o
Espiritismo tem que marcar um progresso da Humanidade, por que não apressam os
Espíritos esse progresso, por meio de manifestações tão generalizadas e patentes,
que a convicção penetre até nos mais incrédulos?
“Desejaríeis milagres; mas
Deus os espalha a mancheias diante dos vossos passos e, no entanto, ainda há homens
que o negam. Conseguiu, porventura, o próprio Cristo convencer os seus
contemporâneos, mediante os prodígios que operou? Não conheceis presentemente alguns que
negam os fatos mais patentes, ocorridos às suas vistas? Não há os que dizem que não
acreditariam, mesmo que vissem? Não; não é por meio de prodígios que Deus quer encaminhar os
homens. Em Sua bondade, Ele lhes deixa o mérito de se convencerem pela razão.”
CAPÍTULO IX
DA LEI IGUALDADE
1. Igualdade natural. -
2. Desigualdade das aptidões. - 3. Desigualdades sociais. - 4. Desigualdade das
riquezas. - 5. As provas de riqueza e de miséria. - 6. Igualdade dos direitos do homem e da
mulher. 7. Igualdade perante o túmulo.
Igualdade natural
803. Perante Deus, são
iguais todos os homens?
“Sim, todos tendem para o
mesmo fim e Deus fez Suas leis para todos. Dizeis freqüentemente: “O Sol luz
para todos” e enunciais assim uma verdade maior e mais geral do que pensais.”
Todos os homens estão
submetidos às mesmas leis da Natureza. Todos nascem igualmente fracos, acham-se
sujeitos às mesmas dores e o corpo do rico se destrói como o do pobre. Deus a nenhum
homem concedeu superioridade natural, nem pelo nascimento, nem pela morte: todos, aos
Seus olhos, são iguais.
Desigualdade das aptidões
804. Por que não outorgou
Deus as mesmas aptidões a todos os homens?
“Deus criou iguais todos os
Espíritos, mas cada um destes vive há mais ou menos tempo, e, conseguintemente,
tem feito maior ou menor soma de aquisições. A diferença entre eles está na
diversidade dos graus da experiência alcançada e da
vontade com que obram, vontade que é o livre-arbítrio. Daí o se aperfeiçoarem uns mais
rapidamente do que outros, o que lhes dá aptidões diversas.
Necessária é a variedade das
aptidões, a fim de que cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da
Providência, no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais. O que um não
faz, fá-lo outro. Assim é que cada qual tem seu papel útil a desempenhar. Demais, sendo
solidários entre si todos os mundos, necessário se torna que os habitantes dos mundos
superiores, que, na sua maioria, foram criados antes do vosso, venham habitá-lo, para vos
dar o exemplo.” (361)
805. Passando de um mundo
superior a outro inferior, conserva o Espírito, integralmente, às
faculdades adquiridas?
“Sim, já temos dito que o
Espírito que progrediu não retrocede. Poderá escolher, no estado de Espírito livre, um
invólucro mais grosseiro, ou posição mais precária do que as que já teve, porém tudo isso
para lhe servir de ensinamento e ajudá-lo a progredir.” (180)
Assim, a diversidade das
aptidões entre os homens não deriva da natureza íntima da sua criação, mas do grau de
aperfeiçoamento a que tenham chegado os Espíritos encarnados neles. Deus, portanto, não
criou faculdades desiguais; permitiu, porém, que os Espíritos em graus diversos de
desenvolvimento estivessem em contacto, para que os mais adiantados pudessem auxiliar o
progresso dos mais atrasados e também para que os homens, necessitando uns dos outros,
compreendessem a lei de caridade que os deve unir.
Desigualdades sociais
806. É lei da Natureza a
desigualdade das condições sociais?
“Não; é obra do homem e não
de Deus.”
a) - Algum dia essa
desigualdade desaparecerá?
“Eternas somente as leis de
Deus o são. Não vês que dia da dia ela gradualmente se apaga? Desaparecerá quando o
egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Restará apenas a desigualdade
do merecimento. Dia virá em que os membros da grande família dos filhos de Deus deixarão
de considerar-se como de sangue mais ou menos puro. Só o Espírito é mais ou menos
puro e isso não depende da posição social.”
807. Que se deve pensar
dos que abusam da superioridade de suas posições sociais, para, em proveito
próprio, oprimir os fracos?
“Merecem anátema! Ai deles!
Serão, a seu turno, oprimidos: renascerão numa existência em que terão de
sofrer tudo o que tiverem feito sofrer aos outros.” (684)
Desigualdade das riquezas
808. A desigualdade das
riquezas não se originará da das faculdades, em virtude da qual uns dispõem de mais
meios de adquirir bens do que outros?
“Sim e não. Da velhacaria e
do roubo, que dizeis?”
a) - Mas, a riqueza
herdada, essa não é fruto de paixões más.
“Que sabes a esse respeito?
Busca a fonte de tal riqueza e verás que nem sempre é pura. Sabes, porventura, se
não se originou de uma espoliação ou de uma injustiça? Mesmo, porém, sem falar da origem,
que pode ser má, acreditas que a cobiça da riqueza, ainda quando bem adquirida, os
desejos secretos de possuí-la o mais depressa possível, sejam sentimentos louváveis? Isso
o que Deus julga e eu te asseguro que o Seu juízo é mais severo que o dos homens.”
809. Aos que, mais tarde,
herdam uma riqueza inicialmente mal adquirida, alguma responsabilidade cabe por
esse fato?
“É fora de dúvida que não
são responsáveis pelo mal que outros hajam feito, sobretudo se o ignoram, como
é possível que aconteça. Mas, fica sabendo que, muitas vezes, a riqueza só vem ter
às mãos de um homem, para lhe proporcionar ensejo de
reparar uma injustiça. Feliz dele, se assim o compreende! Se a fizer em nome daquele que
cometeu a injustiça, a ambos será a reparação levada em conta, porquanto, não raro, é este
último quem a provoca.”
810. Sem quebra da
legalidade, quem quer que seja pode dispor de seus bens de modo mais ou menos
eqüitativo. Aquele que assim proceder será responsável, depois da morte, pelas disposições
que haja tomado?
“Toda ação produz seus
frutos; doces são os das boas ações, amargos sempre os das outras. Sempre,
entendei-o bem.”
811. Será possível e já
terá existido a igualdade absoluta das riquezas?
“Não; nem é possível. A isso
se opõe a diversidade das faculdades e dos caracteres.”
a) - Há, no entanto,
homens que julgam ser esse o remédio aos males da sociedade.
Que pensais a respeito?
“São sistemáticos esses
tais, ou ambiciosos cheios de inveja. Não compreendem que a igualdade com que sonham
seria a curto prazo desfeita pela força das coisas. Combatei o egoísmo, que é a vossa chaga
social, e não corrais atrás de quimeras.”
812. Por não ser possível
a igualdade das riquezas, o mesmo se dará com o bem estar?
“Não, mas o bem-estar é
relativo e todos poderiam dele gozar, se se entendessem convenientemente, porque o
verdadeiro bem-estar consiste em cada um empregar o seu tempo como lhe apraza e não
na execução de trabalhos pelos quais nenhum gosto sente. Como cada um tem aptidões
diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer. Em tudo existe o equilíbrio; o homem
é quem o perturba.”
a) - Será possível que
todos se entendam?
“Os homens se entenderão
quando praticarem a lei de justiça.”
813. Há pessoas que, por
culpa sua, caem na miséria. Nenhuma responsabilidade caberá disso à sociedade?
“Mas, certamente. Já
dissemos que a sociedade é muitas vezes a principal culpada de semelhante coisa. Demais,
não tem ela que velar pela educação moral dos seus membros? Quase sempre, é a
má educação que lhes falseia o critério, ao invés de sufocar-lhes as tendências perniciosas.”
(685)
As provas de riqueza e de
miséria
814. Por que Deus a uns
concedeu as riquezas e o poder, e a outros, a miséria?
“Para experimentá-los de
modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas provas foram escolhidas pelos
próprios Espíritos, que nelas, entretanto, sucumbem com freqüência.”
815. Qual das duas provas
é mais terrível para o homem, a da desgraça ou a da riqueza?
“São-no tanto uma quanto
outra. A miséria provoca as queixas contra a Providência, a riqueza incita a todos os
excessos.”
816. Estando o rico
sujeito a maiores tentações, também não dispõe, por outro lado, de mais meios de
fazer o bem?
“Mas, é justamente o que nem
sempre faz. Torna-se egoísta, orgulhoso e insaciável. Com a riqueza, suas
necessidades aumentam e ele nunca julga possuir o bastante para si unicamente.”
A alta posição do homem
neste mundo e o ter autoridade sobre os seus semelhantes são provas tão grandes e tão
escorregadias como a desgraça, porque, quanto mais rico e poderoso é ele, tanto
mais obrigações tem que cumprir e tanto mais abundantes são
os meios de que dispõe para fazer o bem e o mal. Deus experimenta o pobre pela
resignação e o rico pelo emprego que dá aos seus bens e ao seu poder.
A riqueza e o poder fazem
nascer todas as paixões que nos prendem à matéria e nos afastam da perfeição
espiritual. Por isso foi que Jesus disse: “Em verdade vos digo que mais fácil é passar um camelo por
um fundo de agulha do que entrar um rico no reino dos céus.” (266)