Igualdade dos direitos do homem e da mulher
817. São iguais perante
Deus o homem e a mulher e têm os mesmos direitos?
“Não outorgou Deus a ambos a
inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir?”
818. Donde provém a
inferioridade moral da mulher em certos países?
“Do predomínio injusto e
cruel que sobre ela assumiu o homem. É resultado das instituições sociais e do
abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o
direito.”
819. Com que fim mais
fraca fisicamente do que o homem é a mulher?
“Para lhe determinar funções
especiais. Ao homem, por ser o mais forte, os trabalhos rudes; à mulher,
os trabalhos leves; a ambos o dever de se ajudarem mutuamente a suportar as provas de uma
vida cheia de amargor.”
820. A fraqueza física da
mulher não a coloca naturalmente sob a dependência do homem?
“Deus a uns deu a força,
para protegerem o fraco e não para o escravizarem.”
Deus apropriou a organização
de cada ser às funções que lhe cumpre desempenhar.
Tendo dado à mulher menor
força física, deu-lhe ao mesmo tempo maior sensibilidade, em relação com a delicadeza
das funções maternais e com a fraqueza dos seres confiados aos seus cuidados.
821. As funções a que a
mulher é destinada pela Natureza terão importância tão grande quanto as
deferidas ao homem?
“Sim, maior até. É ela quem
lhe dá as primeiras noções da vida.”
822. Sendo iguais perante
a lei de Deus, devem os homens ser iguais também perante as leis humanas?
“O primeiro princípio de
justiça é este: Não façais aos outros o que não quereríeis que vos fizessem.”
a) - Assim sendo, uma
legislação, para ser perfeitamente justa, deve consagrar a igualdade dos direitos do
homem e da mulher?
“Dos direitos, sim; das
funções, não. Preciso é que cada um esteja no lugar que lhe compete. Ocupe-se do
exterior o homem e do interior a mulher, cada um de acordo com a sua aptidão. A lei humana,
para ser eqüitativa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher. Todo
privilégio a um ou a outro concedido é contrário à justiça. A emancipação da mulher
acompanha o progresso da civilização. Sua escravização marcha de par com a barbaria. Os
sexos, além disso, só existem na organização física. Visto que os Espíritos podem encarnar num
e noutro, sob esse aspecto nenhuma diferença há entre eles. Devem, por conseguinte,
gozar dos mesmos direitos.”
Igualdade perante o
túmulo
823. Donde nasce o desejo
que o homem sente de perpetuar sua memória por meio de monumentos fúnebres?
“Último ato de orgulho.”
a) - Mas a suntuosidade
dos monumentos fúnebres não é antes devida, as mais das vezes, aos parentes do defunto, que lhe querem
honrar a memória, do que ao próprio defunto?
“Orgulho dos parentes,
desejosos de se glorificarem a si mesmos. Oh! Sim, nem sempre é pelo morto que se
fazem todas essas demonstrações. Elas são feitas por amor próprio e para o mundo, bem como por
ostentação de riqueza. Supões, porventura, que a lembrança de um ser querido
dure menos no coração do pobre, que não lhe pode colocar sobre o túmulo senão uma
singela flor? Supões que o mármore salva do esquecimento aquele que na Terra foi
inútil?”
824. Reprovais então, de
modo absoluto, a pompa dos funerais?
“Não; quando se tenha em
vista honrar a memória de um homem de bem, é justo e de bom exemplo.”
O túmulo é o ponto de
reunião de todos os homens. Aí terminam inelutavelmente todas as distinções humanas.
Em vão tenta o rico perpetuar a sua memória, mandando erigir faustosos monumentos. O
tempo os destruirá, como lhe consumirá o corpo. Assim o quer a Natureza. Menos perecível do
que o seu túmulo será a lembrança de suas ações boas e más.
A pompa dos funerais não o
limpará das suas torpezas, nem o fará subir um degrau que seja na hierarquia espiritual.
(320 e seguintes)
CAPÍTULO X
DA LEI DE LIBERDADE
1. Liberdade natural. -
2. Escravidão. - 3. Liberdade de pensar. - 4. Liberdade de consciência. - 5.
Livre-arbítrio. - 6. Fatalidade. - 7. Conhecimento do futuro. - 8. Resumo teórico do móvel das
ações do homem.
Liberdade natural
825. Haverá no mundo
posições em que o homem possa jactar-se de gozar de absoluta liberdade?
“Não, porque todos precisais
uns dos outros, assim os pequenos como os grandes.”
826. Em que condições
poderia o homem gozar de absoluta liberdade?
“Nas do eremita no deserto.
Desde que juntos estejam dois homens, há entre eles direitos recíprocos que
lhes cumpre respeitar; não mais, portanto, qualquer deles goza de liberdade absoluta.”
827. A obrigação de
respeitar os direitos alheios tira ao homem o de pertencer-se a si mesmo?
“De modo algum, porquanto
este é um direito que lhe vem da Natureza.”
828. Como se podem
conciliar as opiniões liberais de certos homens com o despotismo que
costumam exercer no seu lar e sobre os seus subordinados?
“Eles têm a compreensão da
lei natural, mas contrabalançada pelo orgulho e pelo egoísmo. Quando não
representam calculadamente uma comédia, sustentando princípios liberais, compreendem como
as coisas devem ser, mas não as fazem assim.”
a) - Ser-lhes-ão, na
outra vida, levados em conta os princípios que professaram neste mundo?
“Quanto mais inteligência
tem o homem para compreender um princípio, tanto menos escusável é de o não
aplicar a si mesmo. Em verdade vos digo que o homem simples, porém sincero, está
mais adiantado no caminho de Deus, do que um que pretenda parecer o que não é.”
Escravidão
829. Haverá homens que
estejam, por natureza, destinados a ser propriedades de outros homens?
“É contrária à lei de Deus
toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A escravidão é um abuso da
força. Desaparece com o progresso, como gradativamente desaparecerão todos os
abusos.”
É contrária à Natureza a lei
humana que consagra a escravidão, pois que assemelha o homem ao irracional e o
degrada física e moralmente.
830. Quando a escravidão
faz parte dos costumes de um povo, são censuráveis os que dela aproveitam,
embora só o façam conformando-se com um uso que lhes parece natural?
“O mal é sempre o mal e não
há sofisma que faça se torne boa uma ação má. A responsabilidade, porém, do
mal é relativa aos meios de que o homem disponha para compreendê-lo. Aquele que
tira proveito da lei da escravidão é sempre culpado de violação da lei da Natureza. Mas, aí,
como em tudo, a culpabilidade é relativa. Tendo-se a escravidão introduzido nos costumes de
certos povos, possível se tornou que, de boa-fé, o homem se aproveitasse dela como de
uma coisa que lhe parecia natural. Entretanto, desde
que, mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida pelas luzes do Cristianismo, sua razão lhe
mostrou que o escravo era um seu igual perante Deus, nenhuma desculpa mais ele tem.”
831. A desigualdade
natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência das raças
mais inteligentes?
“Sim, mas para que estas as
elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela escravização. Durante longo
tempo, os homens consideram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos
de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de
carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos! Nada
vêem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue, porém o Espírito.” (361-803)
832. Há, no entanto,
homens que tratam seus escravos com humanidade; que não deixam lhes falte nada e
acreditam que a liberdade os exporia a maiores privações. Que dizeis disso?
“Digo que esses compreendem
melhor os seus interesses. Igual cuidado dispensam aos seus bois e cavalos,
para que obtenham bom preço no mercado. Não são tão culpados como os que maltratam os
escravos, mas, nem por isso deixam de dispor deles como de uma mercadoria, privando-os
do direito de se pertencerem a si mesmos.”
Liberdade de pensar
833. Haverá no homem
alguma coisa que escape a todo constrangimento e pela qual goze ele de absoluta
liberdade?
“No pensamento goza o homem
de ilimitada liberdade, pois que não há como pôr-lhe peias. Pode-se-lhe deter o
vôo, porém, não aniquilá-lo.”
834. É responsável o
homem pelo seu pensamento?
“Perante Deus, é. Somente a
Deus sendo possível conhecê-lo, Ele o condena ou absolve, segundo a Sua
justiça.”
Liberdade de consciência
835. Será a liberdade de
consciência uma conseqüência da de pensar?
“A consciência é um
pensamento íntimo, que pertence ao homem, como todos os outros pensamentos.”
836. Tem o homem direito
de pôr embaraços à liberdade de consciência?
“Falece-lhe tanto esse
direito, quanto com referência à liberdade de pensar, por isso que só a Deus cabe o de
julgar a consciência. Assim como os homens, pelas suas leis, regulam as relações de homem
para homem, Deus, pelas leis da Natureza, regula as relações entre Ele e o
homem.”
837. Que é o que resulta
dos embaraços que se oponham à liberdade de consciência?
“Constranger os homens a
procederem em desacordo com o seu modo de pensar, fazê-los hipócritas. A
liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso.”
838. Será respeitável
toda e qualquer crença, ainda quando notoriamente falsa?
“Toda crença é respeitável,
quando sincera e conducente à prática do bem. Condenáveis são as crenças
que conduzam ao mal.”
839. Será repreensível
aquele que escandalize com a sua crença um outro que não pensa como ele?
“Isso é faltar com a
caridade e atentar contra a liberdade de pensamento.”
840. Será atentar contra
a liberdade de consciência pôr óbices a crenças capazes de causar perturbações à
sociedade?
“Podem reprimir-se os atos,
mas a crença íntima é inacessível.”
Reprimir os atos exteriores
de uma crença, quando acarretam qualquer prejuízo a terceiros, não é atentar
contra a liberdade de consciência, pois que essa repressão em nada tira à crença a liberdade,
que ela conserva integral.
841. Para respeitar a
liberdade de consciência, dever-se-á deixar que se propaguem doutrinas
perniciosas, ou poder-se-á, sem atentar contra aquela liberdade, procurar trazer ao
caminho da verdade os que se transviaram obedecendo a falsos princípios?
“Certamente que podeis e até
deveis; mas, ensinai, a exemplo de Jesus, servindo-vos da brandura e da
persuasão e não da força, o que seria pior do que a crença daquele a quem desejaríeis convencer.
Se alguma coisa se pode impor, é o bem e a fraternidade. Mas não cremos que o melhor meio
de fazê-los admitidos seja obrar com violência. A convicção não se impõe.”
842. Por que indícios se
poderá reconhecer, entre todas as doutrinas que alimentam a pretensão de ser a
expressão única da verdade, a que tem o direito de se apresentar como tal?
“Será aquela que mais homens
de bem e menos hipócritas fizer, isto é, pela prática da lei de amor na sua maior
pureza e na sua mais ampla aplicação. Esse o sinal por que reconhecereis que uma
doutrina é boa, visto que toda doutrina que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer uma
linha de separação entre os filhos de Deus não pode deixar de ser falsa e perniciosa.”
Livre-arbítrio
843. Tem o homem o
livre-arbítrio de seus atos?
“Pois que tem a liberdade de
pensar, tem igualmente a de obrar. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina.”
844. Do livre-arbítrio
goza o homem desde o seu nascimento?
“Há liberdade de agir, desde
que haja vontade de fazê-lo. Nas primeiras fases da vida, quase nula é a
liberdade, que se desenvolve e muda de objeto com o desenvolvimento das faculdades. Estando seus
pensamentos em concordância com o que a sua idade reclama, a criança aplica o seu
livre-arbítrio àquilo que lhe é necessário.”
845. Não constituem
obstáculos ao exercício do livre-arbítrio as predisposições instintivas que o homem
já traz consigo ao nascer?
“As predisposições
instintivas são as do Espírito antes de encarnar. Conforme seja este mais ou menos
adiantado, elas podem arrastá-las à prática de atos repreensíveis, no que será secundado pelos
Espíritos que simpatizam com essas disposições. Não há, porém, arrastamento irresistível,
uma vez que se tenha a vontade de resistir. Lembrai-vos de que querer é poder.” (361)
846. Sobre os atos da
vida nenhuma influência exerce o organismo? E, se essa influência existe, não
será exercida com prejuízo do livre-arbítrio?
“É inegável que sobre o
Espírito exerce influência a matéria, que pode embaraçar-lhe as manifestações. Daí vem
que, nos mundos onde os corpos são menos materiais do que na Terra, as faculdades se
desdobram mais livremente. Porém, o instrumento não dá a faculdade. Além disso,
cumpre se distingam as faculdades morais das intelectuais. Tendo um homem o instinto do
assassínio, seu próprio Espírito é, indubitavelmente, quem possui esse instinto e quem lho dá;
não são seus órgãos que lho dão. Semelhante ao bruto, e ainda pior do que este, se torna
aquele que nulifica o seu pensamento, para só se ocupar com a matéria, pois que não cuida
mais de se premunir contra o mal. Nisto é que incorre em falta, porquanto assim procede por
vontade sua.” (Vede n°s. 367 e seguintes - “Influência do organismo”.)
847. Da aberração das
faculdades tira ao homem o livre-arbítrio?
“Já não é senhor do seu
pensamento aquele cuja inteligência se ache turbada por uma causa qualquer e, desde
então, já não tem liberdade. Essa aberração constitui muitas vezes uma punição para o
Espírito que, porventura, tenha sido, noutra existência, fútil e orgulhoso, ou tenha feito
mau uso de suas faculdades. Pode esse Espírito, em tal caso, renascer no corpo de um
idiota, como o déspota no de um escravo e o mau rico no de um mendigo. O Espírito, porém,
sofre por efeito desse constrangimento, de que tem perfeita consciência. Está aí a ação
da matéria.” (371 e seguintes)
848. Servirá de escusa
aos atos reprováveis o ser devida à embriaguez a aberração das faculdades
intelectuais?
“Não, porque foi
voluntariamente que o ébrio se privou da sua razão, para satisfazer a paixões brutais. Em vez de
uma falta, comete duas.”
849. Qual a faculdade
predominante no homem em estado de selvageria: o instinto, ou o livre-arbítrio?
“O instinto, o que não o
impede de agir com inteira liberdade, no tocante a certas coisas. Mas, aplica, como a
criança, essa liberdade às suas necessidades e ela se amplia com a inteligência.
Conseguintemente, tu, que és mais esclarecido do que um selvagem, também és mais responsável pelo que
fazes do que um selvagem o é pelos seus atos.”
850. A posição social não
constitui às vezes, para o homem, obstáculo à inteira liberdade de seus atos?
“É fora de dúvida que o
mundo tem suas exigências, Deus é justo e tudo leva em conta. Deixa-vos,
entretanto, a responsabilidade de nenhum esforço empregardes para vencer os obstáculos.”
Fatalidade
851. Haverá fatalidade
nos acontecimentos da vida, conforme ao sentido que se dá a este vocábulo? Quer
dizer: todos os acontecimentos são predeterminados? E, neste caso, que vem a ser do
livre-arbítrio?
“A fatalidade existe
unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para
sofrer. Escolhendo-a, institui para si uma espécie de destino, que é a conseqüência mesma da
posição em que vem a achar-se colocado. Falo das provas físicas, pois, pelo que toca às
provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é
sempre senhor de ceder ou de resistir. Ao vê-lo fraquejar, um bom Espírito pode vir-lhe em
auxílio, mas não pode influir sobre ele de maneira a dominar-lhe a vontade. Um Espírito mau,
isto é, inferior, mostrando-lhe, exagerando aos seus olhos um perigo físico, o poderá
abalar e amedrontar. Nem por isso, entretanto, a vontade do Espírito encarnado deixa de
se conservar livre de quaisquer peias.”
852. Há pessoas que
parecem perseguidas por uma fatalidade, independente da maneira por que procedem.
Não lhes estará no destino o infortúnio?
“São, talvez, provas que lhe
caiba sofrer e que elas escolheram. Porém, ainda aqui lançais à conta do destino o
que as mais das vezes é apenas conseqüência de vossas próprias faltas. Trata de ter pura a
consciência em meio dos males que te afligem e já bastante consolado te sentirás.”
As idéias exatas ou falsas
que fazemos das coisas nos levam a ser bem ou mal sucedidos, de acordo com o
nosso caráter e a nossa posição social. Achamos mais simples e menos humilhante para o
nosso amor-próprio atribuir antes à sorte ou ao destino os insucessos que
experimentamos, do que à nossa própria falta. É certo que para isso contribui algumas vezes a
influência dos Espíritos, mas também o é que podemos sempre
forrar-nos a essa influência, repelindo as idéias que eles nos sugerem, quando más.
853. Algumas pessoas só
escapam de um perigo mortal para cair em outro. Parece que não podem escapar da
morte. Não há nisso fatalidade?
“Fatal, no verdadeiro
sentido da palavra, só o instante da morte o é. Chegado esse momento, de uma forma ou
doutra, a ele não podeis furtar-vos.”
a) - Assim, qualquer que
seja o perigo que nos ameace, se a hora da morte ainda não chegou, não
morreremos?
“Não; não perecerás e tens
disso milhares de exemplos. Quando, porém, soe a hora da tua partida, nada poderá
impedir que partas. Deus sabe de antemão de que gênero será a morte do homem e muitas
vezes seu Espírito também o sabe, por lhe ter sido isso revelado, quando escolheu tal ou qual
existência.”
854. Do fato de ser
infalível a hora da morte, poder-se-á deduzir que sejam inúteis as precauções para
evitá-la?
“Não, visto que as
precauções que tomais vos são sugeridas com o fito de evitardes a morte que vos ameaça. São
um dos meios empregados para que ela não se dê.”
855. Com que fim nos faz
a Providência correr perigos que nenhuma conseqüência devem ter?
“O fato de ser a tua vida
posta em perigo constitui um aviso que tu mesmo desejaste, a fim de te desviares do mal
e te tornares melhor. Se escapas desse perigo, quando ainda sob a impressão do risco que
correste, de te melhorares, conforme seja mais ou menos forte sobre ti a influência dos
Espíritos bons. Sobrevindo o mau Espírito (digo mau, subentendendo o mal que
ainda existe nele), entras a pensar que do mesmo modo escaparás a outros perigos e deixas
que de novo tuas paixões se desencadeiem. Por meio dos perigos que
correis, Deus vos lembra a vossa fraqueza e a fragilidade da vossa existência. Se examinardes a
causa e a natureza do perigo, verificareis que, quase sempre, suas conseqüências teriam
sido a punição de uma falta cometida ou da negligência no cumprimento de um dever. Deus, por essa forma, exorta o Espírito a cair em si e a se emendar.” (526-532)
856. Sabe o Espírito
antecipadamente de que gênero será sua morte?
“Sabe que o gênero de vida
que escolheu o expõe mais a morrer desta do que daquela maneira. Sabe
igualmente quais a lutas que terá de sustentar para evitá-lo e que, se Deus o permitir, não
sucumbirá.”
857. Há homens que
afrontam os perigos dos combates, persuadidos, de certo modo, de que a hora não
lhes chegou. Haverá algum fundamento para essa confiança?
“Muito amiúde tem o homem o
pressentimento do seu fim, como pode ter o de que ainda não morrerá. Esse
pressentimento lhe vem dos Espíritos seus protetores, que assim o advertem para que esteja
pronto a partir, ou lhe fortalecem a coragem nos momentos em que mais dela necessita.
Pode vir-lhe também da intuição que tem da existência que escolheu, ou da missão que
aceitou e que sabe ter que cumprir.” (411-522)
858. Por que razão os que
pressentem a morte a temem geralmente menos do que os outros?
“Quem teme a morte é o
homem, não o Espírito. Aquele que a pressente pensa mais como Espírito do que como
homem. Compreende ser ela a sua libertação e espera-a.”
859. Com todos os
acidentes, que nos sobrevêm no curso da vida, se dá o mesmo que com a morte, que não
pode ser evitada, quando tem que ocorrer?
“São de ordinário coisas
muito insignificantes, de sorte que vos podeis prevenir deles e fazer que os eviteis
algumas vezes, dirigindo o vosso pensamento, pois nos desagradam os sofrimentos
materiais. Isso, porém, nenhuma importância tem na vida que escolhestes. A fatalidade,
verdadeiramente, só existe quanto ao momento em que deveis aparecer e desaparecer deste
mundo.”
a) - Haverá fatos que
forçosamente devam dar-se e que os Espíritos não possam conjurar, embora o
queiram?
“Há, mas que tu viste e
pressentiste quando, no estado de Espírito, fizeste a tua escolha. Não creias,
entretanto, que tudo o que sucede esteja escrito, como costumam dizer. Um acontecimento qualquer
pode ser a conseqüência de um ato que praticaste por tua livre vontade, de tal sorte que,
se não o houvesses praticado, o acontecimento não seria dado. Imagina que queimas o dedo.
Isso nada mais é senão resultado da tua imprudência e efeito da matéria. Só as grandes
dores, os fatos importantes e capazes de influir no moral, Deus os prevê, porque são úteis à
tua depuração e à tua instrução.”
860. Pode o homem, pela
sua vontade e por seus atos, fazer que se não dêem acontecimentos que
deveriam verificar-se e reciprocamente?
“Pode-o, se essa aparente
mudança na ordem dos fatos tiver cabimento na seqüência da vida que ele escolheu.
Acresce que, para fazer o bem, como lhe cumpre, pois que isso constitui o objetivo único
da vida, facultado lhe é impedir o mal, sobretudo aquele que possa concorrer para a
produção de um mal maior.”
861. Ao escolher a sua
existência, o Espírito daquele que comete um assassínio sabia que viria a ser
assassino?
“Não. Escolhendo uma vida de
lutas, sabe que terá ensejo de matar um de seus semelhantes, mas não sabe se
o fará, visto que ao crime precederá quase sempre, de sua parte, a deliberação de
praticá-lo. Ora, aquele que delibera sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la, ou não. Se soubesse previamente
que, como homem, teria que cometer um crime, o Espírito estaria a isso predestinado.
Ficai, porém, sabendo que a ninguém há predestinado ao crime e que todo crime, como
qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do livre-arbítrio.
“Demais, sempre confundis
duas coisas muito distintas: os sucessos materiais e os atos da vida moral. A
fatalidade, que por algumas vezes há, só existe com relação àqueles sucessos materiais, cuja
causa reside fora de vós e que independem da vossa vontade. Quanto aos da vida moral
esses emanam sempre do próprio homem que, por conseguinte, tem sempre a liberdade de
escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca há fatalidade.”
862. Pessoas existem que
nunca logram bom êxito em coisa alguma, que parecem perseguidas por um mau
gênio em todos os seus empreendimentos. Não se pode chamar a isso fatalidade?
“Será uma fatalidade, se lhe
quiseres dar esse nome, mas que decorre do gênero da existência escolhida. É que
essas pessoas quiseram ser provadas por uma vida de decepções, a fim de
exercitarem a paciência e a resignação. Entretanto, não creias seja absoluta essa fatalidade.
Resulta muitas vezes do caminho falso que tais pessoas tomam, em discordância com suas
inteligências e aptidões. Grandes probabilidades tem de se afogar quem pretender atravessar a
nada um rio, sem saber nadar. O mesmo se dá relativamente à maioria dos acontecimentos
da vida. Quase sempre obteria o homem bom êxito, se só tentasse o que estivesse em
relação com as suas faculdades. O que o perde são o seu amor próprio e a sua ambição, que o
desviam da senda que lhe é própria e o fazem considerar vocação o que não passa de
desejo de satisfazer a certas paixões. Fracassa por sua culpa. Mas, em vez de culpar-se a
si mesmo, prefere queixar-se da sua estrela. Um, por exemplo, que seria bom operário e
ganharia honestamente a vida, mete-se a ser mau poeta e morre de fome. Para todos haveria
lugar no mundo, desde que cada um soubesse
colocar-se no lugar que lhe compete.”
863. Os costumes sociais
não obrigam muitas vezes o homem a enveredar por um caminho de preferência a
outro e não se acha ele submetido à direção da opinião geral, quanto à escolha de suas
ocupações? O que se chama respeito humano não constitui óbice ao exercício do
livre-arbítrio?
“São os homens e não Deus
quem faz os costumes sociais. Se eles a estes se submetem, é porque lhes
convêm. Tal submissão, portanto, representa um ato de livrearbítrio, pois que, se o quisessem,
poderiam libertar-se de semelhante jugo. Por que, então, se queixam? Falece-lhes
razão para acusarem os costumes sociais. A culpa de tudo devem lançá-la ao tolo
amor-próprio de que vivem cheios e que os faz preferirem morrer de fome a infringi-los. Ninguém lhes
leva em conta esse sacrifício feito à opinião pública, ao passo que Deus lhes levará em
conta o sacrifício que fizerem de suas vaidades. Não quer isto dizer que o homem deva
afrontar sem necessidade aquela opinião, como fazem alguns em que há mais originalidade do
que verdadeira filosofia. Tanto desatino há em procurar alguém ser apontado a dedo,
ou considerado animal curioso, quanto acerto em descer voluntariamente e sem
murmurar, desde que não possa manter-se no alto da escala.”
864. Assim como há
pessoas a quem a sorte em tudo é contrária, outras parecem favorecidas por ela, pois
que tudo lhes sai bem. A que atribuir isso?
“De ordinário, é que essas
pessoas sabem conduzir-se melhor nas suas empresas. Mas, também pode ser um
gênero de prova. O bom êxito as embriaga; fiam-se no seu destino e muitas vezes pagam
mais tarde esse bom êxito, mediante revezes cruéis, que a prudência as teria feito
evitar.”
865. Como se explica que
a boa sorte favoreça a algumas pessoas em circunstâncias com as
quais nada têm que ver a vontade, nem a inteligência: no jogo, por exemplo?
“Alguns Espíritos hão
escolhido previamente certas espécies de prazer. A fortuna que os favorece é uma
tentação. Aquele que, como homem, ganha; perde como Espírito. É uma prova para o seu orgulho
e para a sua cupidez.”
866. Então, a faculdade
que favorece presidir aos destinos materiais de nossa vida também é resultante do
nosso livre-arbítrio?
“Tu mesmo escolheste a tua
prova. Quanto mais rude ela for e melhor a suportares, tanto mais te elevarás. Os
que passam a vida na abundância e na ventura humana são Espíritos pusilânimes, que
permanecem estacionários. Assim, o número dos desafortunados é muito superior ao dos
felizes deste mundo, atento que os Espíritos, na sua maioria, procuram as provas que lhes
sejam mais proveitosas. Eles vêem perfeitamente bem a futilidade das vossas
grandezas e gozos. Acresce que a mais ditosa existência é sempre agitada, sempre perturbada,
quando mais não seja, pela ausência da dor.” (525 e seguintes)
867. Donde vem a
expressão: Nascer sob uma boa estrela?
“Antiga superstição, que
prendia às estrelas os destinos dos homens. Alegoria que algumas pessoas fazem a
tolice de tomar ao pé da letra.”