358. Constitui crime a
provocação do aborto, em qualquer período da gestação?
“Há crime sempre que
transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que
tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, por isso que impede uma alma de passar
pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando.”
359. Dado o caso que o
nascimento da criança pusesse em perigo a vida da mãe dela, haverá crime em
sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?
“Preferível é se sacrifique
o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe.”
360. Será racional ter-se
para com um feto as mesmas atenções que se dispensam ao corpo de uma criança
que viveu algum tempo?
“Vede em tudo isso a vontade
e a obra de Deus. Não trateis, pois, desatenciosamente, coisas
que deveis respeitar. Por que não respeitar as obras da criação, algumas vezes incompletas
por vontade do Criador? Tudo ocorre segundo os seus desígnios e
ninguém é chamado para ser juiz.”
Faculdades morais e
intelectuais do homem
361. Qual a origem das
qualidades morais, boas ou más, do homem?
“São as do Espírito nele
encarnado. Quanto mais puro é esse Espírito, tanto mais propenso ao bem é o homem.”
a) - Seguir-se-á daí que
o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito e o homem vicioso a de um
Espírito mau?
“Sim, mas, dize antes que o
homem vicioso é a encarnação de um Espírito imperfeito, pois, do
contrário, poderias fazer crer na existência de Espíritos sempre maus, a que chamais demônios.”
362. Qual o caráter dos
indivíduos em que encarnam Espíritos desassisados e levianos?
“São indivíduos estúrdios,
maliciosos e, não raro, criaturas malfazejas.”
363. Têm os Espíritos
paixões de que não partilhe a Humanidade?
“Não, que, de outro modo,
vo-las teriam comunicado.”
364. O mesmo Espírito dá
ao homem as qualidades morais e as da inteligência?
“Certamente e isso em
virtude do grau de adiantamento a que se haja elevado. O homem não tem em si dois
Espíritos.”
365. Por que é que alguns
homens muito inteligentes, o que indica acharem-se encarnados neles
Espíritos superiores, são ao mesmo tempo profundamente viciosos?
“É que não são ainda
bastante puros os Espíritos encarnados nesses homens, que, então, e por isso, cedem à
influência de outros Espíritos mais imperfeitos. O Espírito progride em
insensível marcha ascendente, mas o progresso não se efetua simultaneamente em todos os
sentidos. Durante um período da sua existência, ele se adianta em ciência; durante outro,
em moralidade.”
366. Que se deve pensar
da opinião dos que pretendem que as diferentes faculdades intelectuais e morais do
homem resultam da encarnação, nele, de outros tantos Espíritos, diferentes entre si, cada
um com uma aptidão especial?
“Refletindo, conhecereis que
é absurda. O Espírito tem que ter todas as aptidões. Para progredir, precisa de
uma vontade única. Se o homem fosse um amálgama de Espíritos, essa vontade não
existiria e ele careceria de individualidade, pois que, por sua morte, todos aqueles
Espíritos formariam um bando de pássaros escapados da gaiola. Queixa-se, amiúde, o homem
de não compreender certas coisas e, no entanto, curioso é verse como multiplica as
dificuldades, quando tem ao seu alcance explicações muito simples e naturais. Ainda neste caso
tomam o efeito pela causa. Fazem, com relação à criatura humana, o que, com relação a
Deus, faziam os pagãos, que acreditavam em tantos deuses quantos eram os fenômenos no
Universo, se bem que as pessoas sensatas, com eles coexistentes, apenas viam em
tais fenômenos efeitos provindos de uma causa única - Deus.”
O mundo físico e o mundo
moral nos oferecem, a este respeito, vários pontos de semelhança. Enquanto se
detiveram na aparência dos fenômenos, os cientistas acreditaram fosse múltipla a matéria.
Hoje, compreende-se ser bem possível que tão variados fenômenos consistam apenas
em modificações da matéria elementar única. As diversas faculdades são manifestações
de uma mesma causa, que é a alma, ou do Espírito encarnado, e não de muitas almas,
exatamente como diferentes sons do órgão, os quais procedem todos do ar e não de tantas
espécies de ar, quantos os sons. De semelhante sistema decorreria que, quando um homem perde ou
adquire certas aptidões, certos pendores, isso significaria que outros tantos Espíritos
teriam vindo habitá-lo ou o teriam deixado, o que o tornaria um ser múltiplo, sem
individualidade e,
conseguintemente, sem responsabilidade. Acresce que o contradizem numerosíssimos exemplos de
manifestações de Espíritos, em que estes provam suas personalidades e identidade.
Influência do organismo
367. Unindo-se ao corpo,
o Espírito se identifica com a matéria?
“A matéria é apenas o
envoltório do Espírito, como o vestuário o é do corpo. Unindo-se a este, o Espírito
conserva os atributos da natureza espiritual.”
368. Após sua união com o
corpo, exerce o Espírito, com liberdade plena, suas faculdades?
“O exercício das faculdades
depende dos órgãos que lhes servem de instrumento. A grosseria da matéria as
enfraquece.”
a) - Assim, o invólucro
material é obstáculo à livre manifestação das faculdades do Espírito, como um vidro
opaco o é à livre irradiação da luz?
“É, como vidro muito opaco.”
Pode-se comparar a ação que
a matéria grosseira exerce sobre o Espírito à de um charco lodoso sobre um corpo
nele mergulhado, ao qual tira a liberdade dos movimentos.
369. O livre exercício
das faculdades da alma está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos?
“Os órgãos são os
instrumentos da manifestação das faculdades da alma, manifestação que se acha
subordinada ao desenvolvimento e ao grau de perfeição dos órgãos, como a excelência de
um trabalho o está à da ferramenta própria à sua execução.”
370. Da influência dos
órgãos se pode inferir a existência de uma relação entre o desenvolvimento dos do
cérebro e o das faculdades morais e intelectuais?
“Não confundais o efeito com
a causa. O Espírito dispõe sempre das faculdades que lhe são próprias. Ora, não
são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas que impulsionam o
desenvolvimento dos órgãos.”
a) - Dever-se-á deduzir
daí que a diversidade das aptidões entre os homens deriva unicamente do estado do
Espírito?
“O termo - unicamente - não
exprime com toda a exatidão o que ocorre. O princípio dessa diversidade reside nas
qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos adiantado. Cumpre, porém, se leve em
conta a influência da matéria, que mais ou menos lhe cerceia o exercício de suas
faculdades.”
Encarnado, traz o Espírito
certas predisposições e, se se admitir que a cada uma corresponda no cérebro um
órgão, o desenvolvimento desses órgãos será efeito e não causa. Se nos órgãos estivesse o
princípio das faculdades, o homem seria máquina sem livrearbítrio e sem a responsabilidade de
seus atos. Forçoso então fora admitir-se que os maiores gênios, os sábios, os
poetas, os artistas, só o são porque o acaso lhes deu órgãos especiais, donde se seguiria que, sem
esses órgãos, não teriam sido gênios e que, assim, o maior dos imbecis houvera podido ser
um Newton, um Vergílio, ou um Rafael, desde que de certos órgãos se achassem providos.
Ainda mais absurda se mostra semelhante hipótese, se a aplicarmos às qualidades
morais. Efetivamente, segundo esse sistema, um Vicente de Paulo, se a Natureza o
dotara de tal ou tal órgão, teria podido ser um celerado e o maior dos celerados não precisaria
senão de um certo órgão para ser um Vicente de Paulo. Admita-se, ao contrário, que os órgãos
especiais, dado existam são conseqüentes, que se desenvolvem por efeito do exercício da
faculdade, como os músculos por efeito do movimento, e a nenhuma conclusão irracional
se chegará. Sirvamo-nos de uma comparação trivial à força de ser verdadeira. Por
alguns sinais fisionômicos se reconhece que um homem tem o vício da embriaguez. Serão esses
sinais que fazem dele um ébrio, ou será a ebriedade que nele imprime aqueles sinais? Pode
dizer-se que os órgãos recebem o cunho das faculdades.
Idiotismo, loucura
371. Tem algum fundamento
o pretender-se que a alma dos cretinos e dos idiotas é de natureza inferior?
“Nenhum. Eles trazem almas
humanas, não raro mais inteligentes do que supondes, mas que sofrem da
insuficiência dos meios de que dispõem para se comunicar, da mesma forma que o mudo sofre da
impossibilidade de falar.”
372. Que objetivo visa a
providência criando seres desgraçados, como os cretinos e os idiotas?
“Os que habitam corpos de
idiotas são Espíritos sujeitos a uma punição. Sofrem por efeito do constrangimento
que experimentam e da impossibilidade em que estão de se manifestarem mediante órgãos
não desenvolvidos ou desmantelados.”
a) - Não há, pois,
fundamento para dizer-se que os órgãos nada influem sobre as faculdades?
“Nunca dissemos que os
órgãos não têm influência. Têm-na muito grande sobre a manifestação das faculdades,
mas não são eles a origem destas. Aqui está a diferença. Um músico excelente, com um
instrumento defeituoso, não dará a ouvir boa música, o que não fará que deixe de ser bom
músico.”
Importa se distinga o estado
normal do estado patológico. No primeiro, o moral vence os obstáculos que a
matéria lhe opõe. Há, porém, casos em que a matéria oferece tal resistência que as
manifestações anímicas ficam obstadas ou desnaturadas, como nos de idiotismo e de loucura. São
casos patológicos e, não gozando nesse estado a alma de toda a sua liberdade, a própria lei
humana a isenta da responsabilidade de seus atos.
373. Qual será o mérito
da existência de seres que, como os cretinos e os idiotas, não podendo fazer o bem
nem o mal, se acham incapacitados de progredir?
“É uma expiação decorrente
do abuso que fizeram de certas faculdades. É um estacionamento temporário.”
a) - Pode assim o corpo
de um idiota conter um Espírito que tenha animado um homem de gênio em
precedente existência?
“Certo. O gênio se torna por
vezes um flagelo, quando dele abusa o homem.”
A superioridade moral nem
sempre guarda proporção com a superioridade intelectual e os grandes
gênios podem ter muito que expiar. Daí, freqüentemente, lhes resulta uma existência
inferior à que tiveram e uma causa de sofrimentos. Os embaraços que o Espírito encontra para
suas manifestações se lhe assemelham às algemas que tolhem os movimentos a um homem
vigoroso. Pode dizer-se que os cretinos e os idiotas são estropiados do cérebro, como
o coxo o é das pernas e dos olhos o cego.
374. Na condição de
Espírito livre, tem o idiota consciência do seu estado mental?
“Freqüentemente tem.
Compreende que as cadeias que lhe obstam ao vôo são prova e expiação.”
375. Qual, na loucura, a
situação do Espírito?
“O Espírito, quando em
liberdade, recebe diretamente suas impressões e diretamente exerce sua ação sobre a
matéria. Encarnado, porém, ele se encontra em condições muito diversas e na contingência
de só o fazer com o auxílio de órgãos especiais. Altere-se uma parte ou o conjunto de tais
órgãos e eis que se lhe interrompem, no que destes dependam, a ação ou as impressões. Se
perde os olhos, fica cego; se o ouvido, torna-se surdo, etc. Imagina agora que seja o
órgão, que preside às manifestações da inteligência, o atacado ou modificado, parcial ou
inteiramente, e fácil te será compreender que, só tendo o Espírito a seu serviço órgãos
incompletos ou alterados, uma perturbação resultará de que ele, por si mesmo e no seu foro íntimo,
tem perfeita consciência, mas cujo curso não lhe está nas mãos deter.”
a) - Então, o
desorganizado é sempre o corpo e não o Espírito?
“Exatamente; mas, convém não
perder de vista que, assim como o Espírito atua sobre a matéria, também esta
reage sobre ele, dentro de certos limites, e que pode acontecer impressionar-se o Espírito
temporariamente com a alteração dos órgãos pelos quais se manifesta e recebe as
impressões. Pode mesmo suceder que, com a continuação, durando longo tempo a loucura, a
repetição dos mesmos atos acabe por exercer sobre o Espírito uma influência, de que ele não
se libertará senão depois de se haver libertado de toda impressão material.”
376. Por que razão a
loucura leva o homem algumas vezes ao suicídio?
“O Espírito sofre pelo
constrangimento em que se acha e pela impossibilidade em que se vê de manifestar-se
livremente, donde o procurar na morte um meio de quebrar seus grilhões.”
377. Depois da morte, o
Espírito do alienado se ressente do desarranjo de suas faculdades?
“Pode ressentir-se, durante
algum tempo após a morte, até que se desligue completamente da matéria,
como o homem que desperta se ressente, por algum tempo, da perturbação em que o lançara
o sono”.
378. De que modo a
alteração do cérebro reage sobre o Espírito depois da morte?
“ Como uma recordação. Um
peso oprime o Espírito e, como ele não teve a compreensão de tudo o que se
passou durante a sua loucura, sempre se faz mister um certo tempo, a fim de se por ao
corrente de tudo. Por isso é que, quanto mais durar a loucura no curso da vida terrena, tanto
mais lhe durará a incerteza, o constrangimento, depois da morte.
Liberto do corpo, o Espírito
se ressente, por certo tempo, da impressão dos laços que àquele o prendiam.”
A infância
379. É tão desenvolvido,
quanto o de um adulto, o Espírito que anima o corpo de uma criança?
“Pode até ser mais, se mais
progrediu. Apenas a imperfeição dos órgãos infantis o impede de se manifestar.
Obra de conformidade com o instrumento de que dispõe.”
380. Abstraindo do
obstáculo que a imperfeição dos órgãos opõe à sua livre manifestação, o Espírito,
numa criancinha, pensa como criança ou como adulto?
“Desde que se trate de uma
criança, é claro que, não estando ainda nela desenvolvidos, não podem os
órgãos da inteligência dar toda a intuição própria de um adulto ao Espírito que a
anima. Este, pois, tem, efetivamente, limitada a inteligência, enquanto a idade lhe não
amadurece a razão. A perturbação que o ato da encarnação produz no Espírito não cessa de
súbito, por ocasião do nascimento. Só gradualmente se dissipa, com o desenvolvimento dos
órgãos.”
Há um fato de observação,
que apóia esta resposta. Os sonhos, numa criança, não apresentam o caráter dos de
um adulto. Quase sempre pueril é o objeto dos sonhos infantis, o que indica de que natureza
são as preocupações do respectivo Espírito.
381. Por morte da
criança, readquire o Espírito, imediatamente, o seu precedente vigor?
“Assim tem que ser, pois que
se vê desembaraçado de seu invólucro corporal. Entretanto, não readquire a
anterior lucidez, senão quando se tenha completamente separado daquele envoltório,
isto é, quando mais nenhum laço exista entre ele e o corpo.”
382. Durante a infância
sofre o Espírito encarnado, em conseqüência do constrangimento que a
imperfeição dos órgãos lhe impõe?
“Não. Esse estado
corresponde a uma necessidade, está na ordem da Natureza e de acordo com as vistas da
Providência. É um período de repouso do Espírito.”
383. Qual, para este, a
utilidade de passar pelo estado de infância?
“Encarnado, com o objetivo
de se aperfeiçoar, o Espírito, durante esse período, é mais acessível às impressões
que recebe, capazes de lhe auxiliarem o adiantamento, para o que devem contribuir os
incumbidos de educá-lo.”
384. Por que é o choro a
primeira manifestação da criança ao nascer?
“ Para estimular o interesse
da genitora e provocar os cuidados de que há mister. Não é evidente que se suas
manifestações fossem todas de alegria, quando ainda não sabe falar, pouco se inquietariam
os que o cercam com os cuidados que lhe são indispensáveis? Admirai, pois, em tudo a
sabedoria da Providência.”
385. Que é o que motiva a
mudança que se opera no caráter do indivíduo em certa idade, especialmente ao
sair da adolescência? É que o Espírito se modifica?
“É que o Espírito retoma a
natureza que lhe é própria e se mostra qual era. “Não conheceis o que a
inocência das crianças oculta. Não sabeis o que elas são, nem o que foram, nem o que
serão. Contudo, afeição lhes tendes, as acaricias, como se fossem parcelas de vós
mesmos, a tal ponto que se considera o amor que uma mãe consagra a seus filhos como o maior
amor que um ser possa votar a outro. Donde nasce o meigo afeto, a terna benevolência
que mesmo os estranhos sentem por uma criança? Sabeis? Não. Pois bem! Vou explicá-lo.”
“As crianças são os seres
que Deus manda a novas existências. Para que não lhe possam imputar excessiva
severidade, dá-lhes Ele todos os aspectos da inocência. Ainda quando se trata de uma
criança de maus pendores, cobrem-se-lhe as más ações
com a capa da inconsciência. Essa inocência não constitui superioridade real com
relação ao que eram antes, não. É a imagem do que deveriam ser e, se não o são, o conseqüente
castigo exclusivamente sobre elas recai.
“Não foi, todavia, por elas
somente que Deus lhes deu esse aspecto de inocência; foi também e sobretudo por seus
pais, de cujo amor necessita a fraqueza que as caracteriza. Ora, esse amor se
enfraqueceria grandemente à vista de um caráter áspero e intratável, ao passo que, julgando seus
filhos bons e dóceis, os pais lhes dedicam toda a afeição e os cercam dos mais minuciosos
cuidados. Desde que, porém, os filhos não mais precisam da proteção e assistência que
lhes foram dispensadas durante quinze ou vinte anos, surge-lhes o caráter real e individual
em toda a nudez. Conservam-se bons, se eram fundamentalmente bons; mas, sempre irisados
de matizes que a primeira infância manteve ocultos.
“Como vedes, os processos de
Deus são sempre os melhores e, quando se tem o coração puro, facilmente se
lhes apreende a explicação.
“Com efeito, ponderai que
nos vossos lares possivelmente nascem crianças cujos Espíritos vêm de mundos onde
contraíram hábitos diferentes dos vossos e dizei-me como poderiam estar no vosso meio
esses seres, trazendo paixões diversas das que nutris, inclinações, gostos,
inteiramente opostos aos vossos; como poderiam enfileirar-se entre vós, senão como Deus o
determinou, isto é, passando pelo tamis da infância? Nesta se vêm confundir todas as idéias,
todos os caracteres, todas as variedades de seres gerados pela infinidade dos mundos em que
medram as criaturas. E vós mesmos, ao morrerdes, vos achareis num estado que é
uma espécie de infância, entre novos irmãos. Ao volverdes à existência extraterrena,
ignorareis os hábitos, os costumes, as relações que se observam nesse mundo, para vós, novo.
Manejareis com dificuldade uma linguagem que não estais acostumado a falar,
linguagem mais vivaz do que o é agora o vosso pensamento. (319)
“A infância ainda tem outra
utilidade. Os Espíritos só entram na vida corporal para se aperfeiçoarem, para se
melhorarem. A delicadeza da idade infantil os torna brandos, acessíveis aos conselhos da
experiência e dos que devam fazê-los progredir. Nessa fase é que se lhes pode reformar os
caracteres e reprimir os maus pendores. Tal o dever que Deus impôs aos pais, missão
sagrada de que terão de dar contas.
“Assim, portanto, a infância
é não só útil, necessária, indispensável, mas também conseqüência natural das
leis que Deus estabeleceu e que regem o Universo.”
Simpatia e antipatia
terrenas
386. Podem dos seres, que
se conheceram e estimaram, encontrar-se noutra existência corporal e
reconhecer-se?
“Reconhecer-se, não. Podem,
porém, sentir-se atraídos um para o outro. E, freqüentemente, diversa não
é a causa de íntimas ligações fundadas em sincera afeição. Um do outro dois seres se
aproximam devido a circunstâncias aparentemente fortuitas, mas que na realidade resultam da
atração de dois Espíritos, que se buscam reciprocamente por entre a multidão.”
a) - Não lhes seria
agradável reconhecerem-se?
“Nem sempre. A recordação
das passadas existências teria inconvenientes maiores do que imaginais. Depois de
mortos, reconhecer-se-ão e saberão que tempo passaram juntos.” (392)
387. A simpatia tem
sempre por princípio um anterior conhecimento?
“Não. Dois Espíritos, que se
ligam bem, naturalmente se procuram um ao outro, sem que se tenham conhecido como
homens.”
388. Os encontros, que
costumam dar-se, de algumas pessoas e que comumente se atribuem ao acaso, não
serão efeito de uma certa relação de simpatia?
“Entre os seres pensantes há
ligação que ainda não conheceis. O magnetismo é o piloto desta ciência, que
mais tarde compreendereis melhor.”
389. E a repulsão
instintiva que se experimenta por algumas pessoas, donde se origina?
“São Espíritos antipáticos
que se adivinham e reconhecem , sem se falarem.”
390. A antipatia
instintiva é sempre sinal de natureza má?
“De não simpatizarem um com
o outro, não se segue que dois Espíritos sejam necessariamente maus. A
antipatia, entre eles, pode derivar de diversidade no modo de pensar. À proporção irá
desaparecendo e a antipatia deixará de existir.”
391. A antipatia entre
duas pessoas nasce primeiro na que tem pior Espírito, ou na que o tem melhor?
“Numa e noutra
indiferentemente, mas distintas são as causas e os efeitos nas duas. Um Espírito mau antipatiza
com quem quer que possa julgar e desmascarar. Ao ver pela primeira vez uma pessoa,
logo sabe que vai ser censurado. Seu afastamento dessa pessoa se transforma em ódio, em
inveja e lhe inspira o desejo de praticar o mal. O bom Espírito sente repulsão pelo mau, por
saber que este o não compreenderá o porque díspares dos dele são os seus sentimentos.
Entretanto, consciente da sua superioridade, não alimenta ódio, nem inveja contra o outro.
Limita-se a evitá-lo e a lastimá-lo.”
Esquecimento do passado
392. Por que perde o
Espírito encarnado a lembrança do seu passado?
“Não pode o homem, nem deve,
saber tudo. Deus assim o quer em Sua sabedoria. Sem o véu que lhe oculta certas coisas, ficaria
ofuscado, como quem, sem transição, saísse do escuro para o claro. Esquecido de seu passado
ele é mais senhor de si. ”
393. Como pode o homem
ser responsável por atos e resgatar faltas de que se não lembra? Como pode
aproveitar da experiência de vidas de que se esqueceu? Concebe-se que as tribulações da
existência lhe servissem de lição, se se recordasse do que as tenha podido ocasionar. Desde
que, porém, disso não se recorda, cada existência é, para ele, como se fosse a primeira
e eis que então está sempre a recomeçar. Como conciliar isto com justiça de Deus?
“Em cada nova existência, o
homem dispõe de mais inteligência e melhor pode distinguir o bem do mal.
Onde o seu mérito se se lembrasse de todo o passado? Quando o Espírito volta à vida
anterior (a vida espírita), diante dos olhos se lhe estende toda a sua vida pretérita. Vê as faltas
que cometeu e que deram causa ao seu sofrer, assim como de que modo as teria evitado.
Reconhece justa a situação em que se acha e busca então uma existência capaz de reparar
a que vem de transcorrer. Escolhe provas análogas às de que não soube aproveitar, ou as
lutas que considere apropriadas ao seu adiantamento e pede a Espíritos que lhe são
superiores que o ajudem na nova empresa que sobre si toma, ciente de que o Espírito, que lhe for
dado por guia nessa outra existência, se esforçará pelo levar a reparar suas faltas,
dando-lhe uma espécie de intuição das em que incorreu. Tendes essa intuição no pensamento, no
desejo criminoso que freqüentemente vos assalta e a que instintivamente resistis,
atribuindo, as mais das vezes, essa resistência aos princípios que recebestes de vossos pais,
quando é a voz da consciência que vos fala. Essa voz, que é a lembrança do passado, vos
adverte para não recairdes nas faltas de que já vos fizestes culpados. Em a nova
existência, se sofre com coragem aquelas provas e resiste, o Espírito se eleva e ascende na
hierarquia dos Espíritos, ao voltar para o meio deles.”
Não temos, é certo, durante
a vida corpórea, lembrança exata do que fomos e do que fizemos em anteriores
existências; mas temos de tudo isso a intuição, sendo as nossas tendências instintivas uma
reminiscência do passado. E a nossa consciência, que é o desejo que experimentamos de não
reincidir nas faltas já cometidas, nos concita à resistência àqueles pendores.
394. Nos mundos mais
elevados do que a Terra, onde os que os habitam não se vêem premidos pelas
necessidades físicas, pelas enfermidades que nos afligem, os homens compreendem que são mais
felizes do que nós? Relativa é, em geral, a felicidade. Sentimola, mediante comparação com
um estado menos ditoso. Visto que, em suma alguns desses mundos, se bem melhores
do que o nosso, ainda não atingiram o estado de perfeição, seus habitantes devem ter
motivos de desgostos, embora de gênero diverso dos nossos. Entre nós, o rico, conquanto
não sofra as angústias das necessidades materiais, como o pobre, nem por isso se acha
isento de tribulações, que lhe tornam amarga a vida. Pergunto então: Na situação em que se
encontram, os habitantes desses mundos não se consideram tão infelizes quanto nós, na
em que nos vemos, e não se lastimam da sorte, olvidados de existências inferiores
que lhes sirvam de termos de comparação?
“Cabem aqui duas respostas
distintas. Há mundos, entre os de que falas, cujos habitantes guardam lembrança
clara e exata de suas existências passadas. Esses, compreendes, pedem e sabem
apreciar a felicidade de que Deus lhes permite fruir. Outros há, porém, cujos habitantes,
achando-se, como dizes, em melhores condições do que vós na Terra, não deixam de
experimentar grandes desgostos, até desgraças. Esses não apreciam a felicidade de que gozam,
pela razão mesma de se não recordarem de um estado mais infeliz. Entretanto, se não a
apreciam como homens, apreciam-na como Espíritos.”
No esquecimento das
existências anteriormente transcorridas, sobretudo quando foram amarguradas, não há
qualquer coisa de providencial e que revela a sabedoria divina? Nos mundos superiores,
quando o recordá-las já não constitui pesadelo, é que as vidas
desgraçadas se apresentam à memória. Nos mundos inferiores, a lembrança de todas as que se
tenham sofrido não agravaria as infelicidades presentes?
Concluamos, pois, daí que
tudo o que Deus fez é perfeito e que não nos toca criticar-Lhe as obras, nem Lhe ensinar como
deveria ter regulado o Universo. Gravíssimos inconvenientes
teria o nos lembrarmos das nossas individualidades anteriores. Em certos casos,
humilhar-nos-ia sobremaneira. Em outros nos exaltaria o orgulho, peando-nos em
conseqüência, o livre-arbítrio. Para nos melhorarmos, dá-nos Deus exatamente o que nos é
necessário e basta: a voz da consciência e os pendores instintivos.
Priva-nos do que nos
prejudicaria. Acrescentemos que, se nos recordássemos dos nossos precedentes atos pessoais,
igualmente nos recordaríamos dos outros homens, do que resultariam talvez os mais
desastrosos efeitos para as relações sociais. Nem sempre podendo honrar-nos do nosso
passado, melhor é que sobre ele um véu seja lançado. Isto concorda perfeitamente com a
doutrina dos Espíritos acerca dos mundos superiores à Terra.
Nesses mundos, onde só reina
o bem, a reminiscência do passado nada tem de dolorosa. Tal a razão por que neles as
criaturas se lembram da sua antecedente existência, como nos lembramos do que fizemos na
véspera. Quanto à estada em mundos inferiores, não passa então, como já dissemos, de
mau sonho.
395. Podemos ter algumas
revelações a respeito de nossas vidas anteriores?
“Nem sempre. Contudo, muitos
sabem o que foram e o que faziam. Se se lhes permitisse dizê-lo
abertamente, extraordinárias revelações fariam sobre o passado.”
396. Algumas pessoas
julgam ter vaga recordação de um passado desconhecido, que se lhes apresenta
como a imagem fugitiva de um sonho, que em vão se tenta reter. Não há nisso simples ilusão?
“Algumas vezes, é uma
impressão real; mas também, freqüentemente, não passa de mera ilusão, contra a qual
precisa o homem por-se em guarda, porquanto pode ser efeito de superexcitada imaginação.”
397. Nas existências
corpóreas de natureza mais elevada do que a nossa, é mais clara a lembrança das
anteriores?
“Sim, à medida que o corpo
se torna menos material, com mais exatidão o homem se lembra do seu passado.
Esta lembrança, os que habitam os mundos de ordem superior a têm mais nítida.”
398. Sendo os pendores
instintivos uma reminiscência do seu passado, dar-se-á que, pelo estudo desses
pendores, seja possível ao homem conhecer as faltas que cometeu?
“Até certo ponto, assim é.
Preciso se torna, porém, levar em conta a melhora que se possa ter operado no
Espírito e as resoluções que ele haja tomado na erraticidade. Pode suceder que a existência
atual seja muito melhor que a precedente.”
a) - Poderá também ser
pior, isto é, poderá o Espírito cometer, numa existência, faltas que não praticou
em a precedente?
“Depende do seu
adiantamento. Se não souber triunfar das provas, possivelmente será arrastado a novas
faltas, conseqüentes, então, da posição que escolheu. Mas, em geral, estas faltas denotam mais um
estacionamento que uma retrogradação, porquanto o Espírito é suscetível de se adiantar
ou de parar, nunca, porém, de retroceder.”
399. Sendo as
vicissitudes da vida corporal expiação das faltas do passado e, ao mesmo tempo, provas com
vistas ao futuro, seguir-se-á que da natureza de tais vicissitudes se possa deduzir de que
gênero foi a existência anterior?
“Muito amiúde é isso
possível, pois que cada um é punido naquilo por onde pecou. Entretanto, não há que tirar
daí uma regra absoluta. As tendências instintivas constituem indício mais seguro, visto
que as provas por que passa o Espírito o são, tanto pelo que respeita ao passado, quanto
pelo que toca ao futuro.”
Chegando ao termo que a
Providência lhe assinou à vida na erraticidade, o próprio Espírito escolhe as provas a
que deseja submeter-se para apressar o seu adiantamento, isto é, escolhe meios de
adiantar-se e tais provas estão sempre em relação com as faltas que lhe cumpre expiar. Se delas
triunfa, eleva-se; se sucumbe, tem que recomeçar.
O Espírito goza sempre do
livre-arbítrio. Em virtude dessa liberdade é que escolhe, quando desencarnado, as
provas da vida corporal e que, quando encarnado, decide fazer ou não uma coisa procede à
escolha entre o bem e o mal. Negar ao homem o livre-arbítrio fora reduzi-lo à condição de
máquina.
Mergulhando na vida
corpórea, perde o Espírito, momentaneamente, a lembrança de suas existências anteriores,
como se um véu as cobrisse. Todavia, conserva algumas vezes vaga consciências, lhe podem
ser reveladas. Esta revelação, porém, só os Espíritos superiores espontaneamente
lhe fazem, com um fim útil, nunca para satisfazer a vã curiosidade.
As existências futuras,
essas em nenhum caso podem ser reveladas, pela razão de que dependem do modo por que
o Espírito se sairá da existência atual e da escolha que ulteriormente faça.
O esquecimento das faltas
praticadas não constitui obstáculo à melhoria do Espírito, porquanto, se é certo que
este não se lembra delas com precisão, não menos certo é que a circunstância de as ter
conhecido na erraticidade e de haver desejado repará-las o guia por intuição e lhe dá a idéia de
resistir ao mal, idéia que é a voz da consciência, tendo a secundá-la os Espíritos
superiores que o assistem, se atende às boas inspirações que lhe dão.
O homem não conhece os atos
que praticou em suas existências pretéritas, mas pode sempre saber qual o gênero
das faltas de que se tornou culpado e qual o cunho predominante do seu caráter.
Bastará então julgar do que foi, não pelo que é, sim, pelas suas tendências.
As vicissitudes da vida
corpórea constituem expiação das faltas do passado e, simultaneamente, provas com
relação ao futuro. Depuram-nos e elevam-nos, se as suportamos resignados e sem
murmurar.
A natureza dessas
vicissitudes e das provas que sofremos também nos podem esclarecer acerca do que
fomos e do que fizemos, do mesmo modo que neste mundo julgamos dos atos de um
culpado pelo castigo que lhe inflige a lei.
Assim, o orgulhoso será
castigado no seu orgulho, mediante a humilhação de uma existência subalterna; o
mau-rico, o avarento, pela miséria; o que foi cruel para os outros, pelas crueldades que
sofrerá; o tirano, pela escravidão; o mau filho, pela ingratidão de seus filhos; o preguiçoso, por um
trabalho forçado, etc.
CAPÍTULO VIII
DA EMANCIPAÇÃO DA ALMA
1. O sono e os sonhos. -
2. Visitas espíritas entre pessoas vivas. - 3. Transmissão oculta do pensamento. - 4.
Letargia, catalepsia. Mortes aparentes. - 5. Sonambulismo. - 6. Êxtase. - 7. Dupla vista. - 8.
Resumo teórico do sonambulismo, do êxtase e da dupla vista.
O sono e os sonhos
400. O Espírito encarnado
permanece de bom grado no seu envoltório corporal?
“É como se perguntasses se
ao encarcerado agrada o cárcere. O Espírito encarnado aspira constantemente à sua
libertação e tanto mais deseja ver-se livre do seu invólucro, quanto mais grosseiro é
este.”
401. Durante o sono, a
alma repousa como o corpo?
“Não, o Espírito jamais está
inativo. Durante o sono, afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, não
precisando este então da sua presença, ele se lança pelo espaço e entra em relação mais
direta com os outros Espíritos. ”
402. Como podemos julgar
da liberdade do Espírito durante o sono?
“Pelos sonhos, Quando o
corpo repousa, acredita-o, tem o Espírito mais faculdades do que no estado de vigília.
Lembra-se do passado e algumas vezes prevê o futuro. Adquire maior potencialidade e pode
por-se em comunicação com os demais
Espíritos, quer deste mundo, quer do outro. Dizes freqüentemente: Tive um sonho extravagante,
um sonho horrível, mas absolutamente inverossímil. Enganaste. É amiúde uma recordação dos
lugares e das coisas que viste ou que verás em outra existência e das coisas que
viste ou que verás em outra existência ou em outra ocasião. Estando entorpecido o corpo,
o Espírito trata de quebrar seus grilhões e de investigar no passado ou no futuro.
“Pobres homens, que mal
conheceis os mais vulgares fenômenos da vida! Julgaisvos muito sábios e as coisas
mais comezinhas vos confundem. Nada sabeis responder a estas perguntas que todas as
crianças formulam: Que fazemos quando dormimos? Que são os sonhos?
“O sono liberta a alma
parcialmente do corpo. Quando dorme, o homem se acha por algum tempo no estado em que
fica permanentemente depois que morre. Tiveram sonos inteligentes os Espíritos
que, desencarnando, logo se desligam da matéria. Esses Espíritos, quando dormem, vão para
junto dos seres que lhes são superiores. Com estes viajam, conversam e se instruem.
Trabalham mesmo em obras que se lhes deparam concluídas, quando volvem, morrendo na
Terra, ao mundo espiritual. Ainda esta circunstância é de molde a vos ensinar que não
deveis temer a morte, pois que todos os dias morreis, como disso um santo.
“Isto, pelo que concerne aos
Espíritos elevados. Pelo que respeita ao grande número de homens que, morrendo, têm
que passar longas horas na perturbação, na incerteza de que tantos já vos falaram, esses
vão, enquanto dormem, ou a mundos inferiores à Terra, onde os chamam velhas afeições, ou
em busca de gozos quiçá mais baixos do que os em que aqui tanto se deleitam. Vão beber
doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais funestas do que as que professam entre vós.
E o que gera a simpatia na Terra é o fato de sentir-se o homem, ao despertar, ligado pelo
coração àqueles com quem acaba de passar oito ou nove horas de ventura ou de prazer. Também
as antipatias invencíveis se explicam pelo fato de sentirmos em nosso íntimo que os entes
com quem antipatizamos têm uma
consciência diversa da nossa. Conhecemo-los sem nunca os termos visto com os olhos. É ainda
o que explica a indiferença de muitos homens. Não cuidam de conquistar novos amigos, por
saberem que muitos têm que os amam e lhes querem. Numa palavra: o sono influi mais
do que supondes na vossa vida.
“Graças ao sono, os
Espíritos encarnados estão sempre em relação com o mundo dos Espíritos. Por isso é que os
Espíritos superiores assentem, sem grande repugnância, em encarnar entre vós. Quis.
Deus que, tendo de estar em contacto com o vício, pudessem eles ir retemperar-se na fonte do
bem, a fim de igualmente não falirem, quando se propõem a instruir os outros. O sono é
a porta que Deus lhes abriu, para que possam ir ter com seus amigos do céu; é o recreio
depois do trabalho, enquanto esperam a grande libertação, a libertação final, que os
restituirá ao meio que lhes é próprio.
“O sonho é a lembrança do
que o Espírito viu durante o sono. Notai, porém, que nem sempre sonhais. Que quer
isso dizer? Que nem sempre vos lembrais do que vistes, ou de tudo o que haveis visto,
enquanto dormíeis. É que não tendes então a alma no pleno desenvolvimento de suas
faculdades. Muitas vezes, apenas vos fica a lembrança da perturbação que o vosso
Espírito experimenta à sua partida ou no seu regresso, acrescida da que resulta do que fizestes
ou do que vos preocupa quando despertos. A não ser assim, como explicaríeis os sonhos
absurdos, que tanto os sábios, quanto as mais humildes e simples criaturas têm?
Acontece também que os maus Espíritos se aproveitam dos sonhos para atormentar as almas
fracas e pusilânimes.
“Em suma, dentro em pouco
vereis vulgarizar-se outra espécie de sonhos. Conquanto tão antiga como a
de que vimos falando, vós a desconheceis. Refiro-me aos sonhos de Joana, ao de
Jacob, aos dos profetas judeus e aos de alguns adivinhos indianos. São recordações guardadas
por almas que se desprendem quase inteiramente do corpo, recordações dessa segunda
vida a que ainda há pouco aludíamos.
“Tratai de distinguir essas
duas espécies de sonhos nos de que vos lembrais, do contrário cairíeis em
contradições e em erros funestos à vossa fé.”
Os sonhos são efeito da
emancipação da alma, que mais independente se torna pela suspensão da vida ativa e de
relação. Daí uma espécie de clarividência indefinida que se alonga até aos mais
afastados lugares e até mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que traz à memória
acontecimentos da precedente existência ou das existências anteriores. As singulares
imagens do que se passa ou se passou em mundos desconhecidos, entremeados de coisas do
mundo atual, é que formam esses conjuntos estranhos e confusos, que nenhum sentido ou
ligação parecem ter.
A incoerência dos sonhos
ainda se explica pelas lacunas que apresenta a recordação incompleta que conservamos
do que nos apareceu quando sonhávamos. É como se a uma narração se truncassem
frases ou trechos ao acaso. Reunidos depois, os fragmentos restantes nenhuma
significação racional teriam.
403. Por que não nos
lembramos sempre dos sonhos?
“Em o que chamas sono, só há
o repouso do corpo, visto que o Espírito está constantemente em atividade.
Recobra, durante o sono, um pouco da sua liberdade e se corresponde com os que lhe
são caros, quer neste mundo, quer em outros. Mas, como é pesada e grosseira a matéria
que compõe, o corpo dificilmente conserva as impressões que o Espírito recebeu, porque a
este não chegaram por intermédio dos órgãos corporais.”
404. Que se deve pensar
das significações atribuídas aos sonhos?
“Os sonhos não são
verdadeiros como o entendem os ledores de buena-dicha, pois fora absurdo crer-se que
sonhar com tal coisa anuncia tal outra. São verdadeiros no sentido de que apresentam imagens
que para o Espírito têm realidade, porém que, freqüentemente, nenhuma relação guardam com
o que se passa na vida corporal. São também, como atrás dissemos, um pressentimento
do futuro, permitido por Deus, ou a visão do que no momento ocorre em outro lugar
a que a alma se transporta. Não se contam por muitos os casos de pessoas que em sonho
aparecem a seus parentes e amigos, a fim de avisá-los do que a elas está acontecendo? Que
são essas aparições senão as almas ou Espíritos de tais pessoas a se comunicarem com entes
caros? Quando tendes certeza de que o que vistes realmente se deu, não fica provado que a
imaginação nenhuma parte tomou na ocorrência, sobretudo se o que observastes não vos
passava pela mente quando em vigília?”
405. Acontece com
freqüência verem-se em sonho coisas que parecem um pressentimento, que,
afinal, não se confirma. A que se deve atribuir isto?
“Pode suceder que tais
pressentimentos venham a confirmar-se apenas para o Espírito. Quer dizer que
este viu aquilo que desejava, foi ao seu encontro. É preciso não esquecer que, durante o
sono, a alma está mais ou menos sob a influência da matéria e que, por conseguinte, nunca se
liberta completamente de suas idéias terrenas, donde resulta que as preocupações do estado de
vigília podem dar ao que se vê a aparência do que se deseja, ou do que se teme. A isto é
que, em verdade, cabe chamar-se efeito da imaginação. Sempre que uma idéia nos preocupa
fortemente, tudo o que vemos se nos mostra ligado a essa idéia.”
406. Quando em sonho
vemos pessoas vivas, muito nossas conhecidas, a praticarem atos de que absolutamente
não cogitam, não é isso puro efeito de imaginação?
“De que absolutamente não
cogitam, dizes. Que sabes a tal respeito? Os Espíritos dessas pessoas vêm visitar o
teu como o teu os vai visitar, sem que saibas sempre o em que eles pensam. Demais, não é
raro atribuirdes, de acordo com o que desejais, a pessoas que conheceis, o que se deu ou
se está dando em outras existências.”
407. É necessário o sono
completo para a emancipação do Espírito?
“Não; basta que os sentidos
entrem em torpor para que o Espírito recobre a sua liberdade. Para se
emancipar, ele se aproveita de todos os instantes de trégua que o corpo lhe concede. Desde que haja
prostração das forças vitais, o Espírito se desprende, tornando-se tanto mais livre, quanto
mais fraco for o corpo.”
Assim se explica que imagens
idênticas às que vemos, em sonho, vejamos estando apenas meio dormindo, ou em
simples modorra.
408. E qual a razão de
ouvirmos, algumas vezes em nós mesmos, palavras pronunciadas
distintamente e que nenhum nexo têm com o que nos preocupa?
“É fato: ouvis até mesmo
frases inteiras, principalmente quando os sentidos começam a entorpecer-se. É
quase sempre, fraco eco do que diz um Espírito que convosco se quer comunicar.”