409. Doutras vezes, num
estado que ainda não é bem o do adormecimento, estando com os olhos fechados,
vemos imagens distintas, figuras cujas mínimas particularidades percebemos. Que há aí,
efeito de visão ou de imaginação?
“Estando entorpecido o
corpo, o Espírito trata de desprender-se. Transporta-se e vê. Se já fosse completo o sono,
haveria sonho.”
410. Dá-se também que,
durante o sono, ou quando nos achamos apenas ligeiramente adormecidos,
acodem-nos idéias que nos parecem excelentes e que se nos apagam da memória, apesar
dos esforços que façamos para retê-las. Donde vêm essas idéias?
“Provêm da liberdade do
Espírito que se emancipa e que, emancipado, goza de suas faculdades com maior
amplitude. Também são, freqüentemente, conselhos que outros Espíritos dão.”
a) - De que servem essas
idéias e esses conselhos, desde que, pelos esquecer, não os podemos aproveitar?
“Essas idéias, em regra,
mais dizem respeito ao mundo dos Espíritos do que ao mundo corpóreo. Pouco
importa que comumente o Espírito as esqueça, quando unido ao corpo. Na ocasião oportuna,
voltar-lhe-ão como inspiração de momento.”
411. Estando desprendido
da matéria e atuando como Espírito, sabe o Espírito encarnado qual será a
época de sua morte?
“Acontece pressenti-la.
Também sucede ter plena consciência dessa época, o que dá lugar a que, em estado de
vigília, tenha intuição do fato. Por isso é que algumas pessoas prevêem com grande exatidão
a data em que virão a morrer.”
412. Pode a atividade do
Espírito, durante o repouso, ou o sono corporal, fatigar o corpo?
“Pode, pois que o Espírito
se acha preso ao corpo qual balão cativo ao poste. Assim como as sacudiduras do balão
abalam o poste, a atividade do Espírito reage sobre o corpo e pode fatigá-lo.”
Visitas espíritas entre
pessoas vivas
413. Do princípio da
emancipação da alma parece decorrer que temos duas existências simultâneas:
a do corpo, que nos permite a vida de relação ostensivas; e a da alma, que nos proporciona
a vida de relação oculta. É assim?
“No estado e emancipação,
prima a vida da alma. Contudo, não há, verdadeiramente, duas
existências. São antes duas fases de uma só existência, porquanto o homem não vive duplamente.”
414. Podem duas pessoas
que se conhecem visitar-se durante o sono?
“Certo e muitos que julgam
não se conhecerem costumam reunir-se e falar-se. Podes ter, sem que o suspeites,
amigos em outro país. É tão habitual o fato de irdes encontrar-vos, durante o sono, com amigos e
parentes, com os que conheceis e que vos podem ser úteis, que quase todas as noites
fazeis essas visitas.”
415. Que utilidade podem
elas ter, se as olvidamos?
“De ordinário, ao
despertardes, guardais a intuição desse fato, do qual se originam certas idéias que vos vêm
espontaneamente, sem que possais explicar como vos acudiram. São idéias que adquiristes
nessas confabulações.”
416. Pode o homem, pela
sua vontade, provocar as visitas espíritas? Pode, por exemplo, dizer, quando
está para dormir: Quero esta noite encontrar-me em Espírito com Fulano, quero falar-lhe
para dizer isto?
“O que se dá é o seguinte:
Adormecendo o homem, seu Espírito desperta e, muitas vezes, nada disposto se
mostra a fazer o que o homem resolvera, porque a vida deste pouco interessa ao seu Espírito,
uma vez desprendido da matéria. Isto com relação a homens já bastante elevados
espiritualmente. Os outros passam de modo muito diverso a fase espiritual de sua existência
terrena. Entregam-se às paixões que os escravizaram, ou se mantêm inativos. Pode, pois,
suceder, tais sejam os motivos que a isso o induzem, que o Espírito vá visitar aqueles
com quem deseja encontrar-se. Mas, não constitui razão, para que semelhante coisa se
verifique, o simples fato de ele o querer quando desperto.”
417. Podem Espíritos
encarnados reunir-se em certo número e formar assembléias?
“Sem dúvida alguma. Os
laços, antigos ou recentes, da amizade costumam reunir desse modo diversos
Espíritos, que se sentem felizes de estar juntos.”
Pelo termo antigos se
devem entender os laços de amizade contraída em existências anteriores. Ao despertar,
guardamos intuição das idéias que haurimos nesses colóquios, mas ficamos na ignorância da
fonte donde promanaram.
418. Uma pessoa que
julgasse morto um de seus amigos, sem que tal fosse a realidade, poderá
encontrar-se com ele, em Espírito, e verificar que continuava vivo? E dado o fato,
poderia, ao despertar, ter dele a intuição?
“Como Espírito, a pessoa que
figuras pode ver o seu amigo e conhecer-lhe a sorte. Se lhe não houver sido
imposto, por prova, crer na morte desse amigo, poderá ter um pressentimento da sua
existência, como poderá tê-lo de sua morte.”
Transmissão oculta do
pensamento
419. Que é o que dá causa
a que uma idéia, a de uma descoberta, por exemplo, surja em muitos pontos ao
mesmo tempo?
“Já dissemos que durante o
sono os Espíritos se comunicam entre si. Ora bem! Quando se dá o despertar, o
Espírito se lembra do que aprendeu e o homem julga ser isso um invento de sua autoria.
Assim é que muitos podem simultaneamente descobrir a mesma coisa. Quando dizeis que uma
idéia paira no ar, usais de uma figura de linguagem mais exata do que supondes.
Todos, sem o suspeitarem, contribuem para propagá-la.”
Desse modo, o nosso próprio
Espírito revela muitas vezes, a outros Espíritos, mau grado nosso, o que
constituía objeto de nossas preocupações no estado de vigília.
420. Podem os Espíritos
comunicar-se, estando completamente despertos os corpos?
“O Espírito não se acha
encerrado no corpo como numa caixa; irradia por todos os lados. Segue-se que pode
comunicar-se com outros Espíritos, mesmo em estado de vigília, se bem que mais
dificilmente.”
421. Como se explica que
duas pessoas, perfeitamente acordadas, tenham instantaneamente a mesma
idéia?
“São dois Espíritos
simpáticos que se comunicam e vêem reciprocamente seus pensamentos respectivos,
embora sem estarem adormecidos os corpos.”
Há, entre os Espíritos que
se encontram, uma comunicação de pensamento, que dá causa a que duas pessoas se
vejam e compreendam, sem precisarem dos sinais ostensivos da linguagem. Poder-se-ia
dizer que falam entre si a linguagem dos Espíritos.
Letargia, catalepsia,
mortes aparentes
422. Os letárgicos e os
catalépticos, em geral, vêem e ouvem o que em derredor se diz e faz, sem que possam
exprimir que estão vendo e ouvindo. É pelos olhos e pelos ouvidos que têm essas
percepções?
“Não; pelo Espírito. O
Espírito tem consciência de si, mas não pode comunicar-se.”
a) - Por quê?
“Porque a isso se opõe o
estado do corpo. E esse estado especial dos órgãos vos prova que no homem há alguma
coisa mais do que o corpo, pois que, então, o corpo já não funciona e, no entanto, o
Espírito se mostra ativo.”
423. Na letargia, pode o
Espírito separar-se inteiramente do corpo, de modo a imprimir-lhe todas as
aparências da morte e voltar depois a habitá-lo?
“Na letargia, o corpo não
está morto, porquanto há funções que continuam a executar-se. Sua vitalidade
se encontra em estado latente, como na crisálida, porém não aniquilada. Ora, enquanto o
corpo vive, o Espírito se lhe acha ligado. Em se rompendo, por efeito da morte real e pela
desagregação dos órgãos, os laços que prendem um ao outro, integral se torna a
separação e o Espírito não volta mais ao seu envoltório. Desde que um homem, aparentemente morto,
volve à vida, é que não era completa a morte.”
424. Por meio de cuidados
dispensados a tempo, podem reatar-se laços prestes a se desfazerem e restituir-se
à vida um ser que definitivamente morreria se não fosse socorrido?
“Sem dúvida e todos os dias
tendes a prova disso. O magnetismo, em tais casos, constitui, muitas vezes,
poderoso meio de ação, porque restitui ao corpo o fluido vital que lhe falta para manter o
funcionamento dos órgãos.”
A letargia e a catalepsia
derivam do mesmo princípio, que é a perda temporária da sensibilidade e do
movimento, por uma causa fisiológica ainda inexplicada. Diferem uma da outra em que, na
letargia, a suspensão das forças vitais é geral e dá ao corpo todas as aparências da morte; na
catalepsia, fica localizada, podendo atingir uma parte mais ou menos extensa do corpo, de
sorte a permitir que a inteligência se manifeste livremente, o que a torna inconfundível
com a morte. A letargia é sempre natural; a catalepsia é por vezes magnética.
Sonambulismo
425. O sonambulismo
natural tem alguma relação com os sonhos? Como explicá-lo?
“É um estado de
independência do Espírito, mais completo do que no sonho, estado em que maior amplitude
adquirem suas faculdades. A alma tem então percepções de que não dispõe no sonho, que é
um estado de sonambulismo imperfeito.
“No sonambulismo, o Espírito
está na posse plena de si mesmo. Os órgãos materiais, achando-se de
certa forma em estado de catalepsia, deixam de receber as impressões exteriores.
Esse estado se apresenta principalmente durante o sono, ocasião em que o Espírito pode
abandonar provisoriamente o corpo, por se encontrar este gozando do repouso indispensável à
matéria. Quando se produzem os fatos do sonambulismo, é que o Espírito, preocupado com uma
coisa ou outra, se aplica a uma ação qualquer, para cuja prática necessita de
utilizar-se do corpo. Serve-se então deste, como se serve de uma mesa ou de outro objeto material
no fenômeno das manifestações físicas, ou mesmo como se utiliza da mão do médium nas
comunicações escritas. Nos sonhos de que se tem consciência, os órgãos,
inclusive os da memória, começam a despertar. Recebem imperfeitamente as
impressões produzidas por objetos ou causas externas e as comunicam ao Espírito, que, então,
também em repouso, só experimenta, do que lhe é transmitido, sensações confusas e,
amiúde, desordenadas, sem nenhuma aparente razão de ser, mescladas que se apresentam
de vagas recordações, quer da existência atual, quer de anteriores. Facilmente,
portanto, se compreende por que os sonâmbulos nenhuma lembrança guardam do que se
passou enquanto estiveram no estado sonambúlico e por que os sonhos não têm sentido.
Digo - as mais das vezes, porque também sucede serem a conseqüência de lembrança
exata de acontecimentos de uma vida anterior e até, não raro, uma espécie de intuição do
futuro.”
426. O chamado
sonambulismo magnético tem alguma relação com o sonambulismo natural?
“É a mesma coisa, com a só
diferença de ser provocado.”
427. De que natureza é o
agente que se chama fluido magnético?
“Fluido vital, eletricidade
animalizada, que são modificações do fluido universal.”
428. Qual a causa da
clarividência sonambúlica?
“Já o dissemos: É a alma que
vê.”
429. Como pode o
sonâmbulo ver através dos corpos opacos?
“Não há corpos opacos senão
para os vossos grosseiros órgãos. Já precedentemente não dissemos que a matéria
nenhum obstáculo oferece ao Espírito, que livremente a atravessa? Freqüentemente
ouvis o sonâmbulo dizer que vê pela fronte, pelo punho, etc., porque, achando-vos
inteiramente presos à matéria, não compreendeis lhe seja possível ver sem o auxílio dos órgãos.
Ele próprio, pelo desejo que manifestais,
julga precisar dos órgãos. Se, porém, o deixásseis livre, compreenderia que vê por
todas as partes do seu corpo, ou, melhor falando, que vê de fora do seu corpo.”
430. Pois que a sua
clarividência é a de sua alma ou de seu Espírito, por que é que o sonâmbulo não vê tudo e
tantas vezes se engana?
“Primeiramente, aos
Espíritos imperfeitos não é dado verem tudo e tudo saberem. Não ignoras que ainda
partilham dos vossos erros e prejuízos. Depois, quando unidos à matéria, não gozam de todas
as suas faculdades de Espírito. Deus outorgou ao homem a faculdade sonambúlica para
fim útil e sério, não para que se informe do que não deva saber. Eis por que os sonâmbulos
nem tudo podem dizer.”
431. Qual a origem das
idéias inatas do sonâmbulo e como pode falar com exatidão de coisas que ignora
quando desperto, de coisas que estão mesmo acima de sua capacidade intelectual?
“É que o sonâmbulo possui
mais conhecimentos do que os que lhe supõe. Apenas, tais conhecimentos dormitam,
porque, por demasiado imperfeito, seu invólucro corporal não lhe consente
rememorá-lo. Que é, afinal, um sonâmbulo? Espírito, como nós, e que se encontra encarnado na
matéria para cumprir a sua missão, despertando dessa letargia quando cai em estado
sonambúlico. Já te temos dito, repetidamente, que vivemos muitas vezes. Esta mudança é que,
ao sonâmbulo, como a qualquer Espírito ocasiona a perda material do que haja
aprendido em precedente existência. Entrando no estado, a que chamas crise, lembra-se do
que sabe, mas sempre de modo incompleto. Sabe, mas não poderia dizer donde lhe vem o que sabe,
nem como possui os conhecimentos que revela. Passada a crise, toda recordação se apaga e
ele volve à obscuridade.”
Mostra a experiência que os
sonâmbulos também recebem comunicações de outros Espíritos, que lhes
transmitem o que devam dizer e suprem à
incapacidade que denotam. Isto se verifica principalmente nas prescrições médicas. O
Espírito do sonâmbulo vê o mal, outro lhe indica o remédio.
Essa dupla ação é às vezes
patente e se revela, além disso, por estas expressões muito freqüentes: dizem-me
que diga, ou proíbem-me que diga tal coisa. Neste último caso, há sempre perigo em insistir-se
por uma revelação negada, porque se dá azo a que intervenham Espíritos levianos, que
falam de tudo sem escrúpulo e sem se importarem com a verdade.
432. Como se explica a
visão a distância em certos sonâmbulos?
“Durante o sono, a alma não
se transporta? O mesmo se dá no sonambulismo.”
433. O desenvolvimento
maior ou menor da clarividência sonambúlica depende da organização física, ou só
da natureza do Espírito encarnado?
“De uma e outra. Há
disposições físicas que permitem ao Espírito desprender-se mais ou menos facilmente da
matéria.”
434. As faculdades de que
goza o sonâmbulo são as que tem o Espírito depois da morte?
“Somente até certo ponto,
pois cumpre se atenda à influência da matéria a que ainda se acha ligado.”
435. Pode o sonâmbulo ver
os outros Espíritos?
“A maioria deles os vê muito
bem, dependendo do grau e da natureza da lucidez de cada um. É muito comum,
porém, não perceberem, no primeiro momento, que estão vendo Espíritos e os tomarem por
seres corpóreos. Isso acontece principalmente aos que, nada conhecendo do Espiritismo,
ainda não compreendem a essência dos Espíritos. O fato os espanta e fá-los supor que
têm diante da vista seres terrenos.”
O mesmo se dá com os que,
tendo morrido, ainda se julgam vivos. Nenhuma alteração notando ao seu
derredor e parecendo-lhes que os Espíritos têm corpos iguais aos nossos, tomam por corpos reais os
corpos aparentes com que os mesmos Espíritos se lhes apresentam.
436. O sonâmbulo que vê,
a distância, vê do ponto em que se acha o seu corpo, ou do em que está sua alma?
“Por que esta pergunta,
desde que sabes ser a alma quem vê e não o corpo?”
437. Posto que o que se
dá, nos fenômenos sonambúlicos, é que a alma se transporta, como pode o
sonâmbulo experimentar no corpo as sensações do frio e do calor existentes no lugar onde
se acha sua alma, muitas vezes bem distante do seu invólucro?
“A alma, em tais casos, não
tem deixado inteiramente o corpo; conserva-se-lhe presa pelo laço que os liga e que
então desempenha o papel de condutor das sensações. Quando duas pessoas se comunicam de
uma cidade para outra, por meio da eletricidade, esta constitui o laço que lhes
liga os pensamentos. Daí vem que confabulam como se estivessem ao lado uma da outra.”
438. O uso que um
sonâmbulo faz da sua faculdade influi no estado do seu Espírito depois da morte?
“Muito, como o bom ou mau
uso que o homem faz de todas as faculdades com que Deus o dotou.”
Êxtase
439. Que diferença há
entre êxtase e o sonambulismo?
“O êxtase é um sonambulismo
mais apurado. A alma do extático ainda é mais independente.”
440. O Espírito do
extático penetra realmente nos mundos superiores?
“Vê esses mundos e
compreende a felicidade dos que os habitam, donde lhe nasce o desejo de lá permanecer. Há,
porém, mundos inacessíveis aos Espíritos que ainda não estão bastante purificados.”
441. Quando o extático
manifesta o desejo de deixar a Terra, fala sinceramente, não o retém o instinto de
conservação?
“Isso depende do grau de
purificação do Espírito. Se verifica que a sua futura situação será melhor do que
a sua vida presente, esforça-se por desatar os laços que o prendem à Terra.”
442. Se se deixasse o
extático entregue a si mesmo, poderia sua alma abandonar definitivamente o corpo?
“Perfeitamente, poderia
morrer. Por isso é que preciso se torna chamá-lo a voltar, apelando para tudo o que o
prende a este mundo, fazendo-lhe sobretudo compreender que a maneira mais certa de não
ficar lá, onde vê que seria feliz, consistiria em partir a cadeia que o tem preso ao planeta
terreno.”
443. Pretendendo que lhe
é dado ver coisas que evidentemente são produto de uma imaginação que as crenças
e prejuízos terrestres impressionaram, não será justo concluir-se que nem tudo o que o
extático vê é real?
“O que o extático vê é real
para ele. Mas, como seu Espírito se conserva sempre debaixo da influência das
idéias terrenas, pode acontecer que veja a seu modo, ou melhor, que exprima o que vê numa
linguagem moldada pelos preconceitos e idéias de que se acha imbuído, ou, então, pelos
vossos preconceitos e idéias, a fim de ser mais compreendido. Neste sentido,
principalmente, é que lhe sucede errar.”
444. Que confiança se
pode depositar nas revelações dos extáticos?
“O extático está sujeito a
enganar-se muito freqüentemente, sobretudo quando pretende penetrar no que
deva continuar a ser mistério para o homem, porque, então, se deixa levar pela corrente
das suas próprias idéias, ou se torna joguete de Espíritos mistificadores, que se
aproveitam da sua exaltação para fasciná-lo.”
445. Que deduções se
podem tirar dos fenômenos do sonambulismo e do êxtase? Não constituirão uma
espécie de iniciação na vida futura?
“A bem dizer, mediante esses
fenômenos, o homem entrevê a vida passada e a vida futura. Estude-os e achará o
aclaramento de mais de um mistério, que a sua razão inutilmente procura
devassar.”
446. Poderiam tais
fenômenos adequar-se às idéias materialistas?
“Aquele que os estudar de
boa-fé e sem prevenções não poderá ser materialista, nem ateu.”
Dupla vista
447. O fenômeno a que se
dá a designação de dupla vista tem alguma relação com o sonho e o sonambulismo?
“Tudo isso é uma só coisa. O
que se chama dupla vista é ainda resultado da libertação do Espírito, sem
que o corpo seja adormecido. A dupla vista ou segunda vista
é a vista da alma.”
448. É permanente a
segunda vista?
“A faculdade é, o exercício
não. Em os mundos menos materiais do que o vosso, os Espíritos se desprendem mais
facilmente e se põem em comunicação apenas pelo pensamento, sem que,
todavia, fique abolida a linguagem articulada. Por isso mesmo, em tais mundos, a dupla vista é
faculdade permanente, para a maioria de seus habitantes, cujo estado normal se pode
comparar ao dos vossos sonâmbulos lúcidos. Essa também a razão por que esses Espíritos se
vos manifestam com maior facilidade do que os encarnados em corpos mais grosseiros.”
449. A segunda vista
aparece espontaneamente ou por efeito da vontade de quem a possui como faculdade?
“As mais das vezes é
espontânea, porém a vontade também desempenha com grande freqüência importante papel
no seu aparecimento. Toma, para exemplo, de umas dessas pessoas a quem se dá
o nome de ledoras da buena-dicha, algumas das quais dispõem desta faculdade, e verás que
é com o auxílio da própria vontade que se colocam no estado de terem a dupla vista e o
que chamas visão.”
450. A dupla vista é
suscetível de desenvolver-se pelo exercício?
“Sim, do trabalho sempre
resulta o progresso e a dissipação do véu que encobre as coisas.”
a) - Esta faculdade tem
qualquer ligação com a organização física?
“Incontestavelmente, o
organismo influi para a sua existência. Há organismos que lhe são refratários.”
451. Por que é que a
segunda vista parece hereditária em algumas famílias?
“Por semelhança da
organização, que se transmite como as outras qualidades físicas. Depois, a faculdade se
desenvolve por uma espécie de educação, que também se transmite de um a outro.”
452. É exato que certas
circunstâncias desenvolvem a segunda vista?
“A moléstia, a proximidade
do perigo, uma grande comoção podem desenvolvê-la. O corpo, às vezes, vem a
achar-se num estado especial que faculta ao Espírito ver o que não podeis ver com os olhos
carnais.”
Nas épocas de crises e de
calamidades, as grandes emoções, todas as causas, enfim, de superexcitação do moral
provocam não raro o desenvolvimento da dupla vista. Parece que a Providência, quando um
perigo nos ameaça, nos dá o meio de conjurá-lo. Todas as seitas e partidos
perseguidos oferecem múltiplos exemplos desse fato.
453. As pessoas dotadas
de dupla vista sempre têm consciência de que a possuem?
“Nem sempre. Consideram isso
coisa perfeitamente natural e muitos crêem que, se cada um observasse o que se
passa consigo, todos verificariam que são como eles.”
454. Poder-se-ia atribuir
a uma espécie de segunda vista a perspicácia de algumas pessoas que, sem nada
apresentarem de extraordinário, apreciam as coisas com mais precisão do que outras?
“É sempre a alma a irradiar
mais livremente e a apreciar melhor do que sob o véu da matéria.”
a) - Pode esta faculdade,
em alguns casos, dar a presciência das coisas?
“Pode. Também dá os
pressentimentos, pois que muitos são os graus em que ela existe, sendo possível que
num mesmo indivíduo exista em todos os graus, ou em alguns somente.”
Resumo teórico do
sonambulismo, do êxtase e da dupla vista
455. Os fenômenos do
sonambulismo natural se produzem espontaneamente e independem de qualquer causa
exterior conhecida. Mas, em certas pessoas dotadas de especial organização, podem
ser provocados artificialmente, pela ação do agente magnético. O estado que se designa pelo
nome de sonambulismo magnético apenas difere do sonambulismo natural em que
um é provocado, enquanto o outro é espontâneo. O sonambulismo natural
constitui fato notório, que ninguém mais se lembra de por em dúvida, não obstante o
aspecto maravilhoso dos fenômenos a que dá lugar. Por que seria então mais extraordinário ou
irracional o sonambulismo magnético? Apenas por produzir-se artificialmente, como tantas
outras coisas? Os charlatães o exploram, dizem. Razão de mais para que não lhes seja
deixado nas mãos. Quando a Ciência se houver apropriado dele, muito menos crédito terão os
charlatães junto às massas populares. Enquanto isso não se verifica, como o
sonambulismo natural ou artificial é um fato, e como contra fatos não há raciocínio possível, vai ele
ganhando terreno, apesar da
má-vontade de alguns, no seio da própria Ciência, onde penetra por uma imensidade de portinhas, em
vez de entrar pela porta larga. Quando lá estiver totalmente, terão que lhe conceder
direito de cidade.
Para o Espiritismo, o
sonambulismo é mais do que um fenômeno psicológico, é uma luz projetada sobre a
psicologia. É aí que se pode estudar a alma, porque é onde esta se mostra a descoberto. Ora, um
dos fenômenos que a caracterizam é o da clarividência independente dos órgãos
ordinários da vista. Fundam-se os que contestam este fato em que o sonâmbulo nem sempre vê, e
à vontade do experimentador, como com os olhos. Será de admirar que difiram os
efeitos, quando diferentes são os meios? Será racional que se pretenda obter os mesmos
efeitos, quando há e quando não há o instrumento? A alma tem suas propriedades, como os
olhos têm as suas. Cumpre julgá-las em si mesmas e não por analogia.
De uma causa única se
originam a clarividência do sonâmbulo magnético e a do sonâmbulo natural. É um
atributo da alma, uma faculdade inerente a todas as partes do ser incorpóreo que existe em nós
e cujos limites não são outros senão os assinados à própria alma. O sonâmbulo vê em
todos os lugares aonde sua alma possa transportar-se, qualquer que seja a longitude.
No caso de visão a
distância, o sonâmbulo não vê as coisas de onde está o seu corpo, como por meio de um
telescópio. Vê-as presentes, como se se achasse no lugar onde elas existem, porque sua alma, em
realidade, lá está. Por isso é que seu corpo fica como que aniquilado e privado de
sensação, até que a alma volte a habitá-lo novamente. Essa separação parcial da alma e
do corpo constitui um estado anormal, suscetível de duração mais ou menos longa, porém
não indefinida. Daí a fadiga que o corpo experimenta após certo tempo, mormente quando
aquela se entrega a um trabalho ativo.
A vista da alma ou do
Espírito não é circunscrita e não tem sede determinada. Eis por que os sonâmbulos não
lhe podem marcar órgão especial. Vêem porque vêem, sem saberem o motivo nem o
modo, uma vez que, para eles, na condição de Espíritos, a vista carece de foco
próprio. Se se reportam ao corpo, esse foco lhes parece estar nos centros onde maior é a
atividade vital, principalmente no cérebro, na região do epigastro, ou no órgão que considerem o
ponto de ligação mais forte entre o Espírito e o corpo.
O poder da lucidez
sonambúlica não é ilimitado. O Espírito, mesmo quando completamente livre, tem
restringidos seus conhecimentos e faculdades conforme ao grau de perfeição que haja
alcançado. Ainda mais restringidos os tem quando ligado à matéria, a cuja influência está
sujeito. É o que motiva não ser universal, nem infalível, a clarividência sonambúlica. E tanto menos
se pode contar com a sua infalibilidade, quanto mais desviada seja do fim visado pela
Natureza e transformada em objeto de curiosidade e de experimentação.
No estado de desprendimento
em que fica colocado, o Espírito do sonâmbulo entra em comunicação mais fácil
com os outros Espíritos encarnados, ou não encarnados, comunicação que se
estabelece pelo contacto dos fluidos, que compõem os perispíritos e servem de transmissão ao
pensamento, como o fio elétrico. O sonâmbulo não precisa, portanto, que se lhe
exprimam os pensamentos por meio da palavra articulada. Ele os sente e adivinha. É o que o torna
eminentemente impressionável e sujeito às influências da atmosfera moral que o
envolva. Essa também a razão por que uma assistência muito numerosa e a presença de
curiosos mais ou menos malevolentes lhe prejudicam de modo essencial o desenvolvimento
das faculdades que, por assim dizer, se contraem, só se desdobrando com toda a
liberdade num meio íntimo ou simpático. A presença de pessoas mal-intencionadas ou
antipáticas lhe produz efeito idêntico ao do contacto da mão na sensitiva.
O sonâmbulo vê ao mesmo
tempo o seu próprio Espírito e o seu corpo, os quais constituem, por assim dizer,
dois seres que lhe representam a dupla existência corpórea e espiritual, existências que,
entretanto, se confundem, mediante os laços que as unem. Nem sempre o sonâmbulo se apercebe de tal
situação e essa dualidade faz que muitas vezes fale de si, como se falasse de outra
pessoa. É que ora é o ser corpóreo que fala ao ser espiritual, ora é este que fala àquele.
Em cada uma de suas
existências corporais, o Espírito adquire um acréscimo de conhecimentos e de
experiência. Esquece-os parcialmente, quando encarnado em matéria por demais grosseira,
porém deles se recorda como Espírito. Assim é que certos sonâmbulos revelam
conhecimentos acima do grau da instrução que possuem e mesmo superiores às suas aparentes
capacidades intelectuais. Portanto, da inferioridade intelectual e científica do sonâmbulo,
quando desperto, nada se pode inferir com relação aos conhecimentos que porventura
revele no estado de lucidez. Conforme as circunstâncias e o fim que se tenha em vista,
ele os pode haurir da sua própria experiência, da sua clarividência relativa às
coisas presentes, ou dos conselhos que receba de outros Espíritos.
Mas, podendo o seu próprio
Espírito ser mais ou menos adiantado, possível lhe é dizer coisas mais ou menos certas. Pelos fenômenos do
sonambulismo, quer natural, quer magnético, a Providência nos dá a prova irrecusável da
existência e da independência da alma e nos faz assistir ao sublime espetáculo da sua
emancipação. Abre-nos dessa maneira, o livro do nosso destino.
Quando o sonâmbulo descreve
o que se passa a distância, é evidente que vê, mas não com os olhos do corpo. Vê-se a
si mesmo e se sente transportado ao lugar onde vê o que descreve. Lá se acha, pois,
alguma coisa dele e, não podendo essa alguma coisa ser o seu corpo, necessariamente é sua
alma, ou Espírito. Enquanto o homem se perde nas sutilezas de uma metafísica abstrata e
ininteligível, em busca das causas da nossa existência moral, Deus cotidianamente nos põe
sob os olhos e ao alcance da mão os mais simples e patentes meios de estudarmos a
psicologia experimental. O êxtase é o estado em que a
independência da alma, com relação ao corpo, se manifesta de modo mais
sensível e se torna, de certa forma, palpável.
No sonho e no sonambulismo,
o Espírito anda em giro pelos mundos terrestres. No êxtase, penetra em um mundo
desconhecido, o dos Espíritos etéreos, com os quais entra em comunicação, sem que,
todavia, lhe seja lícito ultrapassar certos limites, porque, se os transpusesse, totalmente se
partiriam os laços que o prendem ao corpo. Cerca-o então resplendente e desusado
fulgor, inebriam-no harmonias que na Terra se desconhecem, indefinível bem-estar o
invade: goza antecipadamente da beatitude celeste e bem se pode dizer que pousa um pé no
limiar da eternidade.
No estado de êxtase, o
aniquilamento do corpo é quase completo. Fica-lhe somente, pode-se dizer, a vida
orgânica. Sente-se que a alma se lhe acha presa unicamente por um fio, que mais um pequenino
esforço quebraria sem remissão.
Nesse estado, desaparecem
todos os pensamentos terrestres, cedendo lugar ao sentimento apurado, que
constitui a essência mesma do nosso ser imaterial. Inteiramente entregue a tão sublime
contemplação, o extático encara a vida apenas como paragem momentânea. Considera os
bens e os males, as alegrias grosseiras e as misérias deste mundo quais incidentes
fúteis de uma viagem, cujo termo tem a dita de avistar.
Dá-se com os extáticos o que
se dá com os sonâmbulos: mais ou menos perfeita podem ter a lucidez e o
Espírito mais ou menos apto a conhecer e compreender as coisas, conforme seja mais ou menos
elevado. Muitas vezes, porém, há neles mais excitação do que verdadeira lucidez, ou,
melhor, muitas vezes a exaltação lhes prejudica a lucidez. Daí o serem, freqüentemente, suas
revelações um misto de verdades e erros, de coisas grandiosas e coisas absurdas, até
ridículas. Dessa exaltação, que é sempre uma causa de fraqueza, quando o indivíduo não sabe
reprimi-la, Espíritos inferiores costumam aproveitar-se para dominar o extático, tomando,
com tal intuito, aos seus olhos, aparências que mais o aferram às idéias que nutre
no estado de vigília. Há nisso um escolho, mas nem todos são assim. Cabe-nos tudo julgar
friamente e pesar-lhes as revelações na balança da razão.
A emancipação da alma se
verifica às vezes no estado de vigília e produz o fenômeno conhecido pelo nome
de segunda vista ou dupla vista, que é a faculdade graças à qual quem a possui vê, ouve
e sente além dos limites dos sentidos humanos. Percebe o que exista até onde estende a
alma a sua ação. Vê, por assim dizer, através da vista ordinária, e como por uma espécie de
miragem.
No momento em que o fenômeno
da segunda vista se produz, o estado físico do indivíduo se acha
sensivelmente modificado. O olhar apresenta alguma coisa de vago. Ele olha sem ver. Toda a sua
fisionomia reflete uma como exaltação. Nota-se que os órgãos visuais se conservam alheios
ao fenômeno, pelo fato de a visão persistir, mau grado à oclusão dos olhos.
Aos dotados desta faculdade
ela se afigura tão natural, como a que todos temos de ver. Consideram-na um
atributo de seus próprios seres, que em nada lhes parecem excepcionais. De ordinário,
o esquecimento se segue a essa lucidez passageira, cuja lembrança, tornando-se cada
vez mais vaga, acaba por desaparecer, como a de um sonho.
O poder da vista dupla
varia, indo desde a sensação confusa até a percepção clara e nítida das coisas presentes
ou ausentes. Quando rudimentar, confere a certas pessoas o tato, a perspicácia, uma certa
segurança nos atos, a que se pode dar o qualificativo de precisão de golpe de vista moral.
Um pouco desenvolvida, desperta os pressentimentos. Mais desenvolvida mostra os
acontecimentos que deram ou estão para dar-se.
O sonambulismo natural e
artificial, o êxtase e a dupla vista são efeitos vários, ou de modalidades diversas, de uma
mesma causa. Esses fenômenos, como os sonhos, estão na ordem da Natureza. Tal a
razão por que hão existido em todos os tempos. A História mostra que foram sempre conhecidos
e até explorados desde a mais remota antigüidade e neles se nos depara a explicação de
uma imensidade de fatos que os preconceitos fizeram fossem tidos por sobrenaturais.
CAPÍTULO IX
DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL
1. Faculdade, que têm os
Espíritos, de penetrar os nossos pensamentos. - 2. Influência oculta dos Espíritos em
nossos pensamentos e atos. - 3. Possessos. - 4. Convulsionários. - 5. Afeição que os
Espíritos votam a certas pessoas. - 6. Anjos guardiães ou anjos de guarda. Espíritos
protetores, familiares ou simpáticos. - 7. Influência dos Espíritos nos acontecimentos da vida. -
8. Ação dos Espíritos sobre os fenômenos da Natureza. - 9. Os Espíritos durante os
combates. - 10. Pactos. - 11. Poder oculto. Talismãs. Feiticeiros. - 12. Bênçãos e maldições.
Faculdade, que têm os
Espíritos, de penetrar os nossos pensamentos
456. Vêem os Espíritos
tudo o que fazemos?
“Podem ver, pois que
constantemente vos rodeiam. Cada um, porém, só vê aquilo a que dá atenção. Não se
ocupam com o que lhes é indiferente.”
457. Podem os Espíritos
conhecer os nossos mais secretos pensamentos?
“Muitas vezes chegam a
conhecer o que desejaríeis ocultar de vós mesmos. Nem atos, nem pensamentos se
lhes podem dissimular.”
a) - Assim, mais fácil
nos seria ocultar de uma pessoa viva qualquer coisa, do que a esconder dessa mesma
pessoa depois de morta?
“Certamente. Quando vos
julgais muito ocultos, é comum terdes ao vosso lado uma multidão de Espíritos que
vos observam.”
458. Que pensam de nós os
Espíritos que nos cercam e observam?
“Depende. Os levianos riem
das pequenas partidas que vos pregam e zombam das vossas impaciências. Os
Espíritos sérios se condoem dos vossos reveses e procuram ajudarvos.”
Influência oculta dos
Espíritos em nossos pensamentos e atos
459. Influem os Espíritos
em nossos pensamentos e em nossos atos?
“Muito mais do que
imaginais. Influem a tal ponto, que, de ordinário, são eles que vos dirigem.”